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Cecília Costa
Entrevistada por Rodrigo de Souza Leão
 

Entrevistando o poeta Luiz Felipe Castro Mendes 
 


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 


 


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Cecília Costa
Entrevistada
por Rodrigo de Souza Leão]

Cecília por Cecília
Estudei Literatura na UFRJ e História na UERJ e que apesar de escrever muito, poesia e prosa, nunca publiquei nada e cai na Economia, ou seja durante mais de 20 anos fui repórter, subeditora e editora-adjunta de Economia. Não queria enfrentar a literatura, profissionalmente, por medo dela e por paixão. Acho muito colada no meu coração. Há um ano, porém, estou no Prosa & Verso para meu intenso prazer e sofrimento. Era mais fácil falar de juros, moratórias, dívidas interna e externa do que de Balzac, escritor que amo, um monstro que deu início ao romance moderno, ou de Fernando Pessoa, outro gênio. Mas é preciso enfrentar a vida e a literatura faz parte da minha, como água e ar. Bem, sou casada com o poeta Ivan Junqueira e tenho um filho. 


Rodrigo - Há uma relação "conflitante" entre escritores e jornalistas.  jornalista é apenas o divulgador? ou exerce uma função tão importante quanto a do escritor? Como vê esta relação? 

Cecília Costa - Jornalista é jornalista e escritor é escritor. São duas funções que se confundem, quando o jornalista pode ter dom para ser escritor - e muitos o serão no futuro - mas que na atividade profissional diária estão absolutamente separadas. O jornalista tem que divulgar o trabalho do escritor, para despertar o interesse do público pela obra literária. Quando não gosta de determinado livro, é livre para criticar. Mas o que pode criar divergências é quando estas críticas são feitas por má fé, criticar por criticar. É claro que é muito fácil descobrir apenas falhas na obra dos outros. Mas deu trabalho escrever. Sofrimento, às vezes. Por isso este trabalho não pode ser criticado levianamente, apenas devido ao poder concedido a quem está ocupando, em determinado momento da vida, uma função de jornalista literário.        

Rodrigo - O que um jornalista deve ter para trabalhar com literatura? Qual  curso deveria ser essencial: o de Comunicação ou a formação em Letras? 

CC - Eu fiz Letras, porque amava literatura. Mas creio que também um jornalista formado em Comunicação poderá fazer um bom jornalismo literário, porque o mesmo critério jornalístico que leva um repórter a descobrir um furo, no dia a dia, leva também a descobrir um bom livro a ser resenhado. Agora, é importante, tanto num caso como no outro, ter formação, ler, gostar de livros. Porque ler é importante para qualquer ser humano, e sobretudo para quem vai viver da palavra.         

Rodrigo - Falta coragem aos cadernos culturais para pelo menos serem o que eram no passado, quando revelavam novos escritores. Por que é mais importante publicar uma coluna "dos dez mais vendidos" do que dois poemas ou um conto        
de um escritor iniciante? 

CC - Não acho que uma coisa exclua a outra. É importante apresentar uma coluna de mais vendidos para que o leitor tenha noção do que está sendo comprado e lido em seu país, como também é importante criar espaço para estreantes. Só que os cadernos literários são pequenos. Pequenos diante do mercado editorial brasileiro, que não pára de publicar livros. Eles não podem espelhar o que está sendo publicado, quanto mais o que ainda não foi publicado. E nem todo autor estreante vale a pena ser publicado. Escrever é algo sério. Não basta colocar uma palavra depois da outra, e achar que é um poema ou um conto.

Rodrigo - Quem faz a pauta do Prosa e Verso? são as editoras ou os jornalistas de O Globo?
 
CC - O que você acha? Esta história de que editora faz a pauta é uma das maiores besteiras que ouvi. E ouço.  As editoras dizem o que vão publicar. E nós decidimos, com total liberdade, dar o que achamos importante. Agora, querer que os suplementos não divulguem o que está sendo publicado no Brasil é ridículo. Quem divulgaria então? Só haveria anúncios? E quem diria o que contém aquele livro para o leitor? O anunciante? É preciso um crivo, não? um crivo jornalístico.         

Rodrigo - Quais os pontos fortes do caderno cultural em que é editora? O que vocês cobrem e não tem espaço no Mais, da Folha? Qual a diferença do Prosa e Verso e os outros? 

CC - Eu faço o Prosa & Verso  a partir de minhas escolhas e a de meus companheiros, Manya e Paulo Roberto Pires, e não fico pensando no que está sendo feito pelos outros, para não enlouquecer. Vou pelo meu feeling, dando prioridade à prosa, ficção, e ao verso. Gostaria de ter espaço para espelhar bem todos os campos da literatura, nacional e estrangeiro, clássicos e estreantes, e poder também dar matérias sobre sociologia, história, psicanálise, economia, negócios, o vasto campo das ciências humanas e do conhecimento. Gostaria ainda de poder fazer um caderno inteiro sobre literatura infantil. Mas não posso.  Sem anúncio não posso aumentar o caderno. E os editores querem matérias e resenhas sem arcar com o custo do anúncio, o que resulta em menos espaço e menos resenhas, atingindo o próprio interesse dos editores..          

Rodrigo - Quais os poetas e os escritores fazem a sua cabeça? 

CC - Poeta, Manuel Bandeira e Fernando Pessoa. Li o Gullar recentemente, todo ele, para escrever uma matéria, e gostei de sua vitalidade e transparência. Baudelaire, Rimbaud, Blake, Eliot, Dylan Thomas e Yeats. Escritores, Balzac, Balzac, Balzac e Thomas Mann. Machado de Assis, Graciliano Ramos e Eça de Queiroz. Dostoievski e Shakespeare. George Eliot e Virginia Woolf.         

RODRIGO - Quem é o escritor brasileiro? Quais suas qualidades e seus defeitos?        

CC - Existe isso, o escritor brasileiro? O bom escritor é local, regional e universal. A arte não está presa dentro de países. Você pode ter nascido no interior do Piauí ou na favela do Borel, que se fizer um livro com emoção, palavras carregadas de sentimento ou desespero, este livro poderá ser lido e entendido em qualquer lugar do mundo, na Cidade de Deus, no Himalaia ou na Terra do Fogo. Agora, se você quer uma diferença, eu diria que o escritor brasileiro, fora algumas poucas exceções, ainda é um ser muito desrespeitado e marginal já que sem educação o amor aos livros fica restrito a um segmento pequeno da população. Com isso, é raro o escritor, no Brasil, que pode viver de sua obra.

Rodrigo - Quais as revistas literárias mais interessantes da atualidade? Elas são uma "concorrência de conteúdo"  com os caderno culturais? 

CC - Há espaço para revistas e para jornais.  São segmentos diferentes. São poucos no país que têm dinheiro para comprar um jornal e várias revistas por mês. Quanto mais revistas culturais, melhor. E quanto mais cadernos culturais, melhor. É preciso abrir espaço para o livro.        
Rodrigo - Com a criação do Prosa e Verso o Segundo Caderno pouco fala de literatura. Como encara tal fato? 

CC- A equipe é pequena - somente três pessoas -  e o Prosa e Verso já é muita responsabilidade para o time de livros do Globo. Mas sempre que é possível, quando temos tempo ou urgência de que saia uma matéria, abrimos espaço para o livro no Segundo Caderno, cujo editor  é um escritor e tem o maior prazer em divulgar autores e livros.          

Rodrigo - Você não concorda que, muitas vezes o Prosa e Verso é Prosa e Prosa? O que falta para a poesia tornar-se mais atrativa pros meios de comunicação? 

CC - Não é verdade. Os poetas também estão presentes. Demos uma capa para o João Cabral, no dia do aniversário dele, fizemos uma edição enorme para Vinicius e para o livro novo de Gullar.  Emily Dickinson também ganhou capa. Torquato Tasso foi capa e a Divina Comédia ganhou uma matéria enorme. E há sempre resenhas sobre livros de poesia, de Salgado Maranhão, Pedro Lyra, Moacyr Félix, Suzana Vargas, Dora Ferreira da Silva, Olga Savary, etc e tal. É preciso apenas ter o fato ou o livro. Você poderia dizer que falta espaço para estreantes em poesia, o que talvez fosse mais correto. Mas o problema, neste caso, é a falta de espaço, já que não há espaço suficiente nem mesmo para quem é consagrado.         

Rodrigo - Como diz o Affonso Romano de Sant’anna, os poetas invadiram a internet.  É o fim do livro, do jornal, da revista no seu formato atual?  ou o computador será      
apenas mais um meio de comunicação?        

CC - O computador e a Internet nunca matarão o livro, o prazer de manusear  páginas, ler confortavelmente numa poltrona ou na cama, antes de dormir. A Internet, ao contrário, permite a criação de uma biblioteca universal de referência, onde o leitor encontrará informações sobre os livros que ama. Mas duvido que quem goste de ler poesia terá o mesmo prazer lendo uma poesia numa fria tela de computador em substituição à quente folha de um livro. 

Rodrigo - Muitos escritores brasileiros reclamam da falta de divulgação... afirmam que são preteridos em prol dos estrangeiros... Como dar voz ao escritor brasileiro?
        
CC - Essa é uma reclamação contumaz, assim como dizer que o suplemento só divulga o que querem as editoras. Eduardo Bueno é um fenômeno nacional. Paulo Coelho também. Toda a coleção Plenos Pecados da Objetiva vendeu e vende bem. Há best-sellers nacionais. Há best-sellers estrangeiros. Durante quatro números seguidos demos capa para quatro autores nacionais, como Autran Dourado, Ana Maria Machado e Ariano Suassuna. Às vezes ocorre também uma sucessão de capas com estrangeiros, por problemas acidentais - pautas mais urgentes, mas sempre tentamos dar espaço aos dois, tendo a preocupação de balancear. Se existe uma crítica a fazer neste campo, do meu ponto de vista seria o seguinte: eu acho que as editoras dão preferência aos estrangeiros, mesmo novos ou estreantes, por terem a mística de serem estrangeiros, uma espécie de colonialismo cultural. Ou um problema de mercado, compra de títulos no exterior em pacote. Mas não creio que haja esta preferência nos suplementos literários. E mesmo se dissermos isso a um editor, ele reagirá, não aceitando a crítica, já que luta para ter em seu catálogo bons autores nacionais. 

Rodrigo - Por que as resenhas são sempre elogios. É uma tática de marketing? Não é pequeno o espaço para discutir a realidade literária?       
      
CC - Eu sou contra a crítica destrutiva. Se gosto de um livro, falo bem dele. Geralmente até só escrevo sobre o que gosto. São poucos os brasileiros que lêem. Se tudo o que é publicado você diz que é uma porcaria, vai estimular menos ainda o leitor de revista ou jornal a ler um livro. Eu quero atrair o leitor para o livro. O bom livro. Por isso, quando acho que um livro é muito ruim para merecer uma resenha, não peço a resenha. Náo tenho espaço para isso. Mas às vezes um resenhador vë pontos bons e pontos ruins em um livro. E escreve isso, sem problemas. Quanto a discutir a realidade literária, trata-se de uma bela frase. Todos sabemos como o livro é caro no Brasil - já fizemos mais de mil matérias sobre isso - e como o escritor, e sobretudo o poeta, são maltratados, já que o que vende no mercado nem sempre é o que tem mais qualidade. Agora, eu não  promover discussões literárias bizantinas. Só as que valerem a pena. E acho até que discussões estéticas ou artísticas deveriam estar mais no Segundo Caderno, e não no Prosa e Verso. Caso, por exemplo, da matéria sobre o livro da Heloisa Buarque de Holanda, que saiu no Segundo. O Idéias, que tem este título, por exemplo, pode ter mais espaço para o debate, não só literário. Prosa e Verso deve dar espaço ao poeta e ao escritor, sobretudo os brasileiros, já que são poucos os espaços existentes para eles.  
Rodrigo - Um disco é quase o preço de um CD. Poucos compram livros. O que um CD tem demais e falta ao livro?        

CC - É mais fácil ouvir música, mais intuitivo, do que se dar ao trabalho de ler um livro, não acha, não? Uma pessoa que não estudou nada, não sabe quem é Rimbaud ou Carlos Drummond de Andrade, será facilmente impregnada pelo som. A música atinge o cérebro das crianças ainda não letradas. Bebês dormem com acalantos. E se agitam com um rock. Já a palavra, a palavra escrita, exige mais do cérebro humano. 

RODRIGO - Qual o papel de um jornalista para a sociedade?        

CC - Informar. Com liberdade de expressão. Para que a sociedade possa fazer suas escolhas livremente, tendo ciência dos fatos e acontecimentos. Sem ser enganada.  Uma pessoa livre, e informada, vive melhor. Luta por seus direitos. Exige. Vota melhor. Grita.


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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Luiz Felipe Castro Mendes
entrevistado por
Cecília Costa
[O Globo, 11.08.2001]
A morte é um escândalo

O ativo cônsul português Luís Filipe Castro Mendes, que generosamente vive abrindo os salões do Palácio São Clemente para tertúlias literárias e outros eventos — com destaque para as comemorações do Descobrimento, que lhe exigiram um trabalho extenuante — é também um ótimo poeta. Quem quiser descobrir a leveza e o apuro formal da poesia deste tão gentil anfitrião tem agora uma boa oportunidade com a edição, pela Topbooks, de sua “Poesia reunida”. A obra, composta por oito livros de poemas que versam sobre a morte, o desejo, a neve e a névoa e a fugacidade das relações humanas, será lançada na próxima quinta-feira no Palácio, com direito a coquetel e leitura de versos.

Cecilia Costa
“Poesia reunida” traz poemas de 1985 a 1999. Começou a escrever poesia em 1985, Luís Filipe, ou rejeitou os primeiros versos?
LUÍS FILIPE CASTRO MENDES: Comecei a escrever poesia bem jovem, lá pelos 15 anos. Publiquei versos no “Diário de Lisboa” juvenil. Meu primeiro livro, “Recados”, foi editado em 1983. Mas mesmo esse livro ainda era imaturo. Por isso preferi iniciar esta “Poesia reunida” com “Seis elegias”, escritas em 1985, quando eu tinha 35 anos. Meus poemas anteriores não me satisfaziam.

Escreve só poesia?
LUÍS FILIPE: Também escrevi novelas, contos, mas o que sou mesmo é poeta. Tenho sete livros de poesia publicados em Portugal e neste livro da Topbooks foi acrescentado um oitavo, de 1999, “Os amantes obscuros”. E já há um outro quase no prelo, “Dias inventados”, programado para sair em outubro pela minha editora portuguesa e que traz referências ao Brasil. Fico feliz com a edição desta “Poesia reunida”, que traz textos de três poetas brasileiros, Ivan Junqueira, Pedro Lyra e Alexei Bueno. Foi uma alegria para mim o editor José Mario Pereira decidir me publicar no Brasil, já que aqui, como poeta, sou desconhecido.

Por que, já tendo uma antologia publicada em Portugal, sair no Brasil é tão importante?
LUÍS FILIPE: Sim, já tenho uma obra reunida em Portugal. Mas é muito precária a circulação de livros portugueses no Brasil e de livros brasileiros em Portugal. Existe um problema comercial sério, de parte a parte, o que resulta num enorme desconhecimento dos autores de Portugal no Brasil e do Brasil em Portugal. A poesia brasileira, fora algumas exceções, como Ferreira Gullar, Adélia Prado e Manoel de Barros, ainda está parada em João Cabral de Melo Neto. Os poetas brasileiros mais conhecidos em Portugal continuam sendo os dos anos 50, 60, ou seja, Bandeira, Drummond, Cecília Meireles, Murilo Mendes, Jorge de Lima.

E, no Brasil, qual é a situação dos poetas portugueses?
LUÍS FILIPE: Há muito pouco conhecimento sobre a poesia portuguesa depois de José Régio, Mario de Sá Carneiro, Florbela Espanca. Somente os poetas e os que estudam a literatura portuguesa nas universidades é que conhecem a obra de Jorge de Senna, Carlos de Oliveira, Sophia de Mello Breyner, Eugénio de Andrade. De qualquer forma, começa-se a se sentir uma tentativa de aproximação, como por exemplo a edição pela Iluminuras da obra de Herberto Helder. Houve também a antologia de poetas portugueses preparada por Alexei Bueno e Alberto da Costa e Silva para a Bienal de 1999 e recentemente a revista “Rumos” publicou um número sobre os poetas portugueses jovens. Os concretistas têm relação com Ernesto Mello de Castro e Ana Haterli, ligados aos irmãos Campos. Murilo Mendes foi muito amigo de Sophia, Adolfo Casaes Monteiro e Jorge de Senna viveram aqui no Brasil, mas mesmo assim eu diria que a poesia portuguesa, aqui, ainda está parada em José Régio e, em Portugal, em João Cabral.

Qual seria a conseqüência?
LUÍS FILIPE: Bem, acaba que a poesia brasileira e a portuguesa estão se desenvolvendo sem se conhecerem e trabalham com a mesma língua. É impensável, em Portugal, ser poeta e não conhecer Drummond, Bandeira, 
Cecília, mas no Brasil é grande o número de pessoas que nunca leu Sophia ou Eugénio. Espero que o Prêmio Camões concedido a esses dois grandes poetas ajude na divulgação aqui no Brasil, trazendo à luz novas edições.

Bem, vamos falar de sua poesia. Sempre menciona uma certa distância das vanguardas...
LUÍS FILIPE: Mas não sou tão radical. Gosto da tradição surrealista portuguesa, representada sobretudo por Herberto Helder, Mario Cesarini, Alexandre O’Neil. Mas nunca fiz parte desse movimento, que foi extremamente importante em Portugal, tendo influenciado vários poetas. Creio que João Cabral exerceu uma influência na poesia brasileira parecida com a que Herberto exerceu na portuguesa, apesar de serem totalmente diferentes. Herberto é cósmico, visionário, Cabral teve o efeito da secura, da dureza. Houve muitos imitadores de Herberto em Portugal, mas meu caminho foi outro.

Sua poesia evoluiu em direção às formas fixas, não?
LUÍS FILIPE: Sim, passei por um processo de busca de formas. Os dois livros iniciais, “Seis elegias” e “A ilha dos mortos”, não têm a procura formal dos livros posteriores, sendo mais soltos. Mas em “Jogo de fazer versos” e em “Viagem de inverno” retomei as formas canônicas, como a terza rima, a sixtina, o soneto inglês, os epigramas. Tenho um compromisso com o rigor e com a história do poema, daí os versos intertextuais. A forma fixa para mim faz parte do jogo. Fiz também poemas políticos, como “Idos de Marx”, sempre preocupado em introduzir muitas vozes e cores em minha lírica. A partir de “Modos de música”, no entanto, creio que minha poesia foi ficando mais uniforme, o mesmo ocorrendo em “Os amantes obscuros”. Já em meu último livro volto a diversificar mais, sem abandonar as formas canônicas.

A música da morte é a poesia?
LUÍS FILIPE: A música da morte é uma defesa contra a morte. É preciso fazer esta pequena música para não ouvir a morte. Para esquecer o silêncio da morte. E essa pequena música pode ser a poesia, mas pode ser também a arte, a vida, tudo aquilo a que a gente se apega ou faz para perdurar, ficar, transcender nosso destino comum.

Crê em vida após a morte?
LUÍS FILIPE: Não. A morte é um escândalo. Não existe nada após o nosso existir. Tentamos lutar, esquecer o silêncio através do desejo, do amor, da poesia. Mas de nada adianta que algo fique depois de nós. De nada adianta para Eça de Queiroz que ele continue sendo muito famoso. Eça está morto. Eu não creio em espírito. Em outras palavras, se nossa obra for imortal, isso não nos trará benefícios no tocante à nossa morte.

Seus poemas são sempre dedicados a alguém, uma mulher, parece.
LUÍS FILIPE: É verdade, costumam ter um destinatário. Existe um apelo a alguém. Uma presença, uma ausência, um grito metafísico. O tu é uma forma de fugir ao nada. E ao mesmo tempo ele é o nada. Há uma tensão em torno deste destinatário, que faz parte da lírica amorosa. A grande poesia é amorosa e a expectativa amorosa tem a ver com esta tensão que alimenta a poesia, entre a ausência e a presença, entre a falta, a impossibilidade de amar, e o desejo de amar. Sempre estaremos insatisfeitos, sempre teremos fome no coração.

E as cidades de sua poesia?
LUÍS FILIPE: Alguns lugares para mim são matéria de poesia. Cidades da África, Angola, cidades de minha infância. Vivi em muitas cidades. Mesmo em pequeno me mudei muito. Tive uma vida nômade. Trago recordações. Cidades abstratas de memória. Cidades que evocam. Os poemas recordam-nas, mas também fazem com que quem os leia recorde suas próprias cidades. Ou então que sinta uma nova experiência. Pois a poesia é para isso. Ela não seria poesia se os sentimentos não convergissem. O leitor tem que sentir um movimento análogo ao poeta dentro de si. Em sua memória, em sua sensibilidade. Mas ao mesmo tempo o poema tem que inspirar algo diferente, ir além. Ser sensível aos sentidos e ao som.
 

[O globo, Literatura, 11.08.2001] 

 
 
 

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