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José Castello




Produção desigual marca antologia dos anos 90



Altos e baixos marcam textos poéticos selecionados por Heloisa Buarque de Hollanda



 

Nem mesmo os mais entusiasmados, nem sequer os mais benevolentes, poderão negar que certo vazio, que configura um sintoma anêmico, domina a poesia brasileira nos anos 90. Nossos grandes poetas vivos - João Cabral, Manoel de Barros, Adélia Prado, Hilda Hilst, Bruno Tolentino - parecem separados das gerações mais jovens não por um punhado de anos, variável de caso a caso, mas por um abismo. O estranho é que, se de um lado temos grandes poetas vigorosos, de outro temos uma geração de poetas quase sempre apáticos, desencorajados, que parecem escrever às cegas, sem projetos e premidos por forte inibição intelectual.

As razões desse vazio são muitas, mas entre as principais talvez estejam: 1- a verdadeira fixação que esses poetas dos 90 costumam emprestar à atividade crítica, o que os leva a escrever uma poesia "para críticos", uma poesia para não decepcionar os críticos; 2- as seqüelas do pós-modernismo, que os prendeu numa caixa opaca, em que poetas falam com poetas, versos referem-se a outros versos e os citam, linguagens desdobram-se em outras linguagens, num emaranhado de exercícios rebuscados, mas desinteressantes, em que os poetas, com o que têm de melhor, sufocam; 3 - o enorme desprezo que esse poetas (ao contrário da geração de 75, que tinha verdadeira fixação no cotidiano) têm pelo mundo real ou o que podemos dele reter, que não é muito na verdade, levando-os a praticar a escrita como um jogo brilhante, um lance de palavras.

Essas e outras características parecem confirmar-se agora com Esses poetas/ Uma Antologia dos Anos 90, que Heloísa Buarque de Hollanda organizou 22 anos depois da célebre 26 Poetas Hoje, que revelou nomes como Ana C., Cacaso, Bernardo Vilhena e Francisco Alvim. Antologias, sobretudo de poetas jovens, são sempre exercícios perigosos, ainda que necessários; não é por outra razão que na antologia de 1975 há nomes como Zulmira Ribeiro Tavares (que se tornou apenas uma romancista celebrada, mas sofrível), Roberto Schwarz (que se tornou um eminente crítico literário), e Luis Olavo Fontes (cujo talento, inegável, depois se esfumaçou). Mas isso, na verdade, não importa. Heloísa, na antologia de 75, acertou muito mais que errou e nem mesmo os erros puseram em questão seu esforço.

Na antologia de agora, na verdade, não se caracteriza uma geração: há desde o jovem Felipe Nepomuceno, com seus 22 anos e seus poemas de viagens, ao letrista Antonio Cícero, de 53, o mais maduro, com seus versos melodiosos. Agora, Heloísa afirma em seu prefácio, o grande valor da geração é a heterogeneidade. De fato é, mas isso não parece ser um valor, nem mesmo uma escolha e sim a marca de um impasse.

Não são apenas os poetas que diferem radicalmente entre si (e isso é, sem dúvida, uma qualidade). É a produção de cada um que parece contraditória, sem rumo, levando-os em geral a atirar para todos os lados, a experimentar de tudo (e isso é, sem dúvida, um defeito ou, pelo menos, o sinal de uma vocação incerta). Por isso, muito mais que a anterior, a antologia de agora é cheia de altos e baixos, dissonâncias, deixando-nos por fim com poetas cujas vozes, a distância, não podemos reconhecer, simplesmente porque não podem definir um tom.

Mesmo em Pessoa, com seus heterônimos, há uma marca, uma sombra que sempre permanece. Ninguém duvida quando lê um João Cabral, ou uma Hilda Hilst, ou um Manoel de Barros. A mesma certeza, porém, não aparece quando lemos os poetas agora, sentimento que não pode ser atribuído apenas à idade, pois alguns deles são homens bastante maduros.

Teses - Heloísa procura apegar-se a algumas teses: a de que "é flagrante a presença de um número crescente de poetas provenientes dos bairros da periferia ou subúrbios de baixa renda", que parece dar-lhe um consolo sociológico; a de que "o que vai causar mais impacto nesse panorama é a visibilidade de algumas vozes que não haviam encontrado espaço de expressão nas décadas passadas" e aqui se refere, por exemplo, ao que chama de "presença agressiva do outing gay", o que é verdade, mas não define poesia alguma, a não ser que o valor crítico seja o do preconceito; fala ainda da "possibilidade de uma certa independência em relação às pressões de mercado", o que também é verdade, mas não caracteriza espírito livre algum, já que as pressões de mercado são substituídas, agora, pela asfixia crítica.

Em todo o caso, Heloísa faz um grande esforço para traçar as constantes (quase inexistentes) e definir os valores (bastante fugidios) da geração 90, o que é um trabalho que ninguém, nem mesmo os críticos mais prestigiados, se propõe a fazer e se torna assim, digno de elogio. Mesmo considerando que os anos 80 passaram quase em branco, poderíamos desejar que Heloísa repetisse seu esforço a cada década. É um trabalho exposto ao erro, às críticas precoces, exatamente como esta aqui, mas de muita importância.

Melhores momentos - Feitas essas considerações apressadas, o mais agradável é, ainda assim, percorrer os melhores momentos dessa antologia. Há tendências que, desde já, se sobressaem. Por exemplo, o gosto pelos poemas de viagens como A Estátua de Wallenberg, de Nelson Ascher, sobre Budapeste, ou a série de poemas breves de Felipe Nepomuceno dedicado a cidades como Algeciras e Toledo.

Os poemas de temática "gay" destoam de um conjunto, em geral, assexuado, de poetas que parecem distantes de seus corpos, de seus conflitos internos e mais distantes ainda dos conflitos externos. Alguns (Rodrigo Garcia Lopes, Arnaldo Antunes, Josely Vianna) parecem retidos nos restos das vanguardas e parecem então escrever nos anos 60 e não nos 90.

As melhores páginas estão dispersas, aparecem aqui e ali assinadas por poetas diferentes. É um prazer ler Contra Naturam, de Carlito Azevedo, Vaimer, de Aníbal Cristobo, Sághi Nehor, de Moacir Amâncio, Noturno, de Italo Moriconi, Válido até, de Augusto Massi, e o Monólogo de Hans Staden, de Alberto Martins. Mas são, infelizmente, momentos isolados, que se destacam num conjunto desvitalizado.

É evidente, e nem Heloísa Buarque tem essa pretensão tola, que os nomes reunidos em Esses Poetas não constituem nada parecido com uma geração - se é que isso, num tempo fragmentado e veloz como o de hoje, ainda pode existir. Existem laços pessoais, encontros em revistas e coleções, mas no geral o trabalho é solitário, como, aliás, deve ser mesmo. O curioso é que, mesmo no calor da solidão, quase todos sejam afetados pela mesma apatia devastadora. E que produzam versos, muitas vezes, desprovidos de qualquer vigor poético, exatamente como Drummond, certamente num erro atroz, disse certa vez a respeito de João Cabral: "Ele tanto tentou que acabou conseguindo escrever poesia sem poesia."


 

 

 

 

30/05/2005