Leo
Lobos - O poeta-narrador de Turbosílabas: um
flâneur
Cristiane Grando
A
obra de Leo Lobos (Santiago do Chile, 1966) ultrapassa as
fronteiras da poesia e da prosa: seus poemas são quase sempre
narrativas. Daí a presença constante de um poeta-narrador, que
assume o papel do eu lírico tradicional. Os poemas de Leo Lobos
são criados a partir de uma certa inspiração em situações do
dia-a-dia, registradas no início de cada livro: o poeta-narrador
situa o leitor no espaço e no tempo, ou seja, no contexto em que
seus versos foram criados, no Chile e em outros países (nesse
sentido, Leo Lobos também atravessa fronteiras…). No início dos
livros e no final de alguns poemas, o poeta também oferece ao
leitor pistas a respeito das personagens, que participaram de
sua vida cotidiana no momento em que escrevia certos textos e
que, ao mesmo tempo, acabaram se transformando em força
inspiradora para sua criação poética. Narrador, tempo, espaço,
personagens… O enredo fica por conta do leitor, que o
acompanhará em cada poema-narrativa de Turbosílabas:
“traguen todos / todas / sus palabras” (in: Electrónico libro
de p@pel).
Presença
marcante na poesia de Leo Lobos são certos elementos que
caracterizam os séculos XX e XXI: um mundo de cidades grandes,
automóveis, aviões, turbina, eletricidade, Internet (por
exemplo, na grafia de @ ao invés da letra “a”, em Camino @
Copa de Oro e Electrónico libro de p@pel). Turbo,
que vem do francês, turbine, remete-nos à “turbilhão”,
“redemoinho”. Leo Lobos sugere, em sua obra, a experiência de um
redemoinho de energias, sobretudo da energia vital, da
eletricidade corporal, presente por exemplo na figura
do “ángel eléctrico”.
O anjo, para Leo Lobos, é mais terreno que celestial: trata-se
de uma energia elétrica num corpo material. A presença freqüente
da eletricidade (+ Poesia; “- No/ + Aún”) às vezes sugere
o encontro de cargas elétricas positivas e negativas, que geram
um movimento. Um movimento ascendente, de seres que desejam voar
(basta observar a imagem recorrente de asas que
freqüentam o imaginário do poeta): “¿el suelo se abrirá / a
nuestros pies prolongando el cielo / alguna vez? / ¿alguna vez
nos dejarán suspender / em / el / aire?”
(in: “Mientras”);
“nadar,
tomar un tren, seguir a pie, volar” (in: Electrónico libro de
p@pel).
Leo Lobos é o poeta não só das cidades, das ruas, das estações
e aeroportos, mas também da natureza ("El ser humano tiene que
volver a entrar en relación con los animales, los vegetales, la
naturaleza, con los ángeles y los espíritus", Joseph Beuys). É
um poeta caminhante, viajante, multicultural, flâneur - o
caminhar sem destino propicia condições para que o pensamento e
as palavras, num arranjo poético, avancem: “Camino sin dirección
dejándome llevar por la ciudad” (in: “Georgetown Station”); “el
desierto avanza / avanzamos con el desierto” (in: Camino @
Copa de Oro).
Sua
visão de mundo é ampla: o poeta de Turbosílabas apresenta
sempre várias possibilidades, inclusive opostas, de pensar e ver
uma mesma situação. Para expressar essa diversidade de pontos de
vista, Leo Lobos cita inúmeras vezes textos de poetas chilenos e
da literatura universal, além de usar expressões ambivalentes (“La
verdad miente”; “En noches diurnas”) e de mudar seu próprio modo
de ver a vida, se compararmos alguns poemas como, por exemplo:
“Piensa que vivimos / al amparo de los dioses / en esta esfera
celeste / y que nadie mira por el rabo de la puerta / piensa que
la Tierra es una burbuja de jabón / que estallará
irremediablemente alguna vez / y la eternidad que somamos / y
todos nosotros, / junto a ella.
(in: + Poesia); "Me equivoqué. Me equivoqué en un 90%. /
Perdí la cabeza en una tormenta" Ezra Pound / “piensa que
vivimos al amparo de los dioses / en esta esfera celeste / y que
nadie mira por el rabo de la puerta / no pienses que la tierra
es / una burbuja de jabón que estallará / irremediablemente
alguna vez // piensa en la eternidad que soñamos /
piensa en todos nosotros / junto a ella / girando / girando”.
(in: Electrónico libro de p@pel).
A poesia de Leo Lobos é um caminhar em direção à paz num sentido
bastante amplo
- para todo o planeta e para além dele: “… y a la tan necesaria
Paz para este mundo y el otro” (in: “Buscando luces en la ciudad
luz”).
Da mesma
forma, o poeta registra um olhar amoroso num sentido amplo:
quase não fala diretamente, mas fala de amor o tempo todo… um
amor universal, um desejo amoroso de unidade entre todos os
seres, o que é bastante evidente também nos livros iniciais, em
sua atitude de repúdio à falta de liberdade de expressão, à
tortura e à morte, impostas no período da ditadura militar: “el
uno que soy, el uno que somos” (na dedicatória); o número 1 no
ápice da pirâmide desenhada com as próprias palavras (in: “Poema
Inicial”), que sugere um ponto de partida do livro e da
existência humana, a origem, que está na unidade e no alto, numa
força superior, sagrada. Leo Lobos valoriza tanto o aspecto
divino da vida no planeta quanto o terreno – e ao mesmo tempo
procura, com o arranjo das palavras em forma poética, criar
imagens enigmáticas, anunciadas na abertura do livro: “música,
palabras, signos, enigmas regresados del olvido”.
A fusão
entre escrita e desenho aparece logo no início de
Turbosílabas, no “Poema Inicial”, e surge diversas vezes ao
longo da obra: “A todo lo llamo yo dibujo” (citação de Joseph
Beuys); “Todo es dibujo, / me dibujo y me borro / aqui.”
(in: “Mientras”); “Recuerden la escritura es un dibujo”
(abertura de Electrónico libro de p@pel).
Essa
experiência de trabalho com escrita e imagem é expandida em
diversas ocasiões como, por exemplo, nas realizações junto ao
grupo de arte multidisciplinar PAZIFIC ZUNAMI e em desenhos
criados a partir de versos, realizados em CAMAC (Centre d’Art
Marnay Art Center, Marnay-sur-Seine, França), onde nos
conhecemos. |