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Luís Antonio Cajazeira Ramos



Fortuna crítica: Renato Bittencout Gomes*

Mitologia particular de um poeta à luz do sol

Publicado em O Globo, Literatura,
07.07.01
 


Como se, de Luís Antonio Cajazeira Ramos.
Selo Editorial Letras da Bahia, 116 págs. R$ 15.


 

A poesia é ordinariamente associada à economia verbal. É mesmo freqüente a máxima de que “menos é mais”, o que muitas vezes conduz a construções elípticas, quando não obscuras ou feitas de obsessivas voltas sobre um mesmo tema. Em seu “Como se”, Luís Antonio Cajazeira Ramos não comunga deste credo. Por outro lado, neste seu segundo livro, não se entrega aos derramamentos. Sua procura é a expressão medida, mas com régua larga. Então, sua preferência não é o haicai (tão adequado à expressão do etéreo e incorpóreo, bem como ao poema-piada): Cajazeira Ramos cultiva a forma fixa porém generosa do soneto.

Sua trajetória vai se firmando ao ponto da láurea: no ano 2000, arrebatou o Prêmio Gregório de Mattos, da Academia de Letras da Bahia, com o inédito “Temporal temporal”. Sua estréia madura se deu com “Fiat breu”, em 1996, aos 40 anos de idade. Nesse livro, os poemas marcavam uma certa crônica de eventos corriqueiros da vida do autor, além de poemas de amor e indagações do fazer poético. Em “Como se”, amplia-se a variedade da temática, pois não se trata de seguir uma tendência que defina o que é ou não assunto de poesia: o tema é a vida, com sua ampla e múltipla abrangência, da qual são recortadas facetas como a existência na cidade, as relações familiares, o erotismo, a religião, a sociedade.

Quando se trata de amor, não são os desesperos de corte romântico, os martírios advindos de uma paixão maior que a vida: aqui, o enamoramento é algo a ser conduzido com segurança, ainda que possa ser necessária uma aproximação com a crueldade, que é um recurso na procura do equilíbrio: “Não quero ver, em teu olhar de vítima,/ o viés de amor que me pretende algoz/ de um sofrimento vão que ignoro”. Como se vê, não estamos no encontradiço terreno da loucura santa dos vates prontos a fazer chover e a transfigurar o real com a palavra.

Mas esta atitude não significa que haja uma capitulação ao conformismo. Quando fala do que tradicionalmente está no campo da religião, o poeta entrega-se a uma rebeldia que, em se tratando deste universo, tem um nome específico: heresia. Assim, nas “Palavras da salvação” que abrem o livro, o leitor é apresentado a um Deus vacilante. Mais adiante, em “Efígies”, a serpente que tem “a calma da vigília distendida/ e os olhos da certeza satisfeita” “impõe veneno no banquete edênico”.

Há que mencionar que, por vezes, o autor atende às sereias das soluções fáceis, como “Invento agora uma borrasca e passo uma borracha” ou “fé ritual secreta (...), o esmero da ocasião propícia”. O que não quer dizer que ele não seja senhor dos seus recursos, pois é capaz de dizer “teu abrigo é no inverno de meu hálito;/ teu destino é no inferno de meus hábitos”.

Natural de Salvador, Cajazeira Ramos não faz do seu exercício poético uma louvação dos aspectos tropicais e turísticos da sua cidade, mas há uma reiterada referência ao Sol (assim, com maiúscula), chegando a dizer que “eu sou sósia do Sol”. Talvez seja este o elemento mais forte não de uma rebeldia mas de um claro posicionamento pois, à luz do dia, o poeta afirma que “em mim já não me caibo” e organiza seu universo de maneira que haja destaques: “O taumaturgo Deus reluz no centro,/ para que todos vejam seu fulgor”.
Assim, sem derramamentos nem contenções, iluminado ao sol, Cajazeira Ramos dá sua versão do mundo e organiza sua mitologia particular.


* RENATO BITTENCOURT GOMES é escritor e crítico de literatura
 

 

 

Jean Léon Gérôme (French, 1824-1904), The Grief of the Pasha

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Jorge Tufic