Bernardo de Passos


Glosas

Morre o pobre e nem caixão Vai no esquife, que desgraça! Para o cemitério passa Sem padre nem sacristão!... Quem fará esta excepção?... Se é Deus que rege os destinos Dos grandes e pequeninos, E todos são filhos seus... P'ra desmentir esse Deus, Morre o rico, dobram sinos. Diz, padre, que leis são essas Que servem p'ra ti somente... Tu confessas toda a gente E à gente não te confessas... Diz por que tanto te interessas Nesses segredos que encobres, Porque é que não te descobres Nos jornais ou num sermão, Dizendo porque razão Morre o pobre e não há dobres? Só os ricos são gerados, Dessa Virgem, desse Deus?... Só eles são filhos seus E os pobres são enteados?... Padre, tu só tens cuidados Com os ricos, teus compadres, Que deixam ir as comadres Esmolinhas oferecer A Deus, sem ninguém saber... Que Deus é esse dos Padres?... Qual é o Deus que autoriza, Ao rico, mil esplendores, E aos pobres trabalhadores, Nem pão, nem lar, nem camisa?... Manda, p'ra quem não precisa, O oiro, a prata e os cobres, Palácios, honras de nobres!... E eu, triste farrapo humano, Julgo esse Deus um tirano, Que não faz caso dos pobres


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