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Artur da Távola


 


Carta a alguém que me escreve


 


 

É fim de tarde. Ao longe e ao perto, brasileiros se unem num basta à violência. Solidário, no silêncio de meu gabinete, creio que escrever a você é também um aceno de paz pois pressinto essa instância como parte abençoada de seu interior.

Sabe por que lhe escrevo menos que deveria? É porque fico a esperar o momento adequado, o texto certo, muito a dizer. A sua seriedade e talento, de repente, estavam a exigir de mim uma impostação que (dei-me conta hoje), estava equivocada. Ora, será somente quando eu tiver algo de importante a dizer, é que devo dirigir-me à pessoa que em seu mistério trouxe presença de distinção e luz? Não ! Amizade é para exercitar espontaneidades e dar-se ao delicioso e inconseqüente expediente de simplesmente comunicar-se, sem nada de importante e significativo para dizer. Ao contrário: é o leve agrado do compartir existência e presença de quem se admira e quer bem.

Sabe? Esses dias foram de intensidades dolorosas. As últimas semanas no Brasil e no mundo, com a violência e acontecimentos trágicos. Não consigo me esquecer do desespero de pessoas presas em um ônibus incendiado por pura maldade. A morte de um amigo de meio século, espécie de meu irmão mais velho; eu que fui órfão de pai e fiquei filho único pela morte prematura de minha irmã de nome lindo, Eleonora, e olhar de santa, igualmente me povoou a lembrança.

Nada disso velho Távola! Busque ser simples, direto e afetuoso com as pessoas com quem você consegue proximidade de alma. É tão grande a incomunicação humana que quando ela se dá, é como comer manga: sim, depois dos quarenta anos, disse eu certa vez em uma crônica, não se pode perder qualquer oportunidade de comer manga. A vida vai encurtando e cada manga deixada de lado não volta. É perda gravíssima. Como a amizade dos afins. Cada afinidade não vivida atenta contra o Bem.

Falas hoje em manga, outro dia aludiste ao torresmo, ó lamentável Távola! Será que por tuas restrições alimentares estás a confundir sabores com afetos? Mas afeto e admiração têm sabor. O que diz você, sábia escritora?

Enfim, acho que logrei a leveza e a superficialidade deliciosa de quem quer apenas se comunicar e, não, jogar o papel intelectual ou apenas de mais velho, vivido e experiente, que às vezes, por engano, lhe atribuem.
Ainda á uma semana vi milhares de pessoas de branco a fundir o compromisso da paz. Isso sim muda o Brasil e o mundo. Não o ódio que parece sangria desatada. Já na verdade brasileira, só um processo educativo, permanente, igualitário e democrático, reverterá o quadro. Que bom! Estou dispersivo mas espontâneo. Agradeço-o a você.

Estejam Convosco a Graça e a Paz.

Sempre mais
Artur da Távola

 

 

 


 

15/01/2007