Auta de Souza

1. Ao pé de um berço.
2. Página azul.
3. Noite cruel.
4. Adeus, Gentil.
5. Manhã no campo.
AO PÉ DE UM BERÇO
A Leopoldina Monteiro.
 

Pensei em ti, Leopoldina, escrevendo estes versos; quero
             que os cantes embalando o teu Milton.
 

Dorme, dorme, pequenino
Encanto de meu amor;
Que o sono doce e divino
Cerre-te as folhas, ó flor!
 

Fecha os olhos, meu filhinho;
E pede ao sono que leve
Ao céu, em faixas de linho.
Tu’alma da cor da neve.
 

Mas não demores, meu filho,
Volta nas asas do amor,
Traz a meus olhos o brilho,
Traz a meu seio o calor.
 

Meu coração é um ramo
Onde teci o teu ninho;
Dorme nele, gaturamo,
Ó sonho branco de arminho!
 

Dorme, dorme; de mansinho
Vou te embalando a cantar...
Esconde as asas no ninho,
Não quero ouvir-te chorar.
 

Fecha os olhos docemente
E voa longe da terra,
Dorme o teu sono inocente,
Ó nívea pomba da serra!
 

Dorme, santinho, as estrelas
Virão cobrir-te com um véu;
Não chores se queres vê-las
Fazer de teu berço um céu.
 

Foge da noite aos abrolhos
Neste celeste abandono;
Eu guardo um sonho nos olhos
Para dourar o teu sono.
 

Olha, meu santo, Jesus,
Que tanto amava os meninos,
Vela sorrindo da cruz
O sono dos pequeninos.
 

E a mãe do céu, nos espaços
Deixando de luz um trilho,
Traz o filhinho nos braços
Para beijar-te, meu filho!
 

Recebe o carinho amigo
E pede ao rei do Universo
Que fique a sonhar contigo,
Dormindo no mesmo berço.
 

Às duas mães, n’um sorriso,
Sobre o ninho velarão...
E eu direi ao Paraíso,
Baixinho, no coração:
 

Qual dos dois mais luz encerra,
Envoltos no mesmo véu:
O filho da mãe da terra?
O filho da mãe do Céu?
 

Dorme, bonina nevada,
Enquanto eu velo a cantar;
Guia-me à pátria adorada,
Ó doce estrela do Mar!
 

Dorme e não chores, criança!
A Lua do Céu sorri -
Na vida sem esperança
Eu hei de chorar por ti.
 

 

PÁGINA AZUL
                                                              A Zulmira Rosa

No país de minh’alma há um rio sem mágoas,
Um rio cheio de ouro e de tanta harmonia,
Que se cuida escutar no marulhar das águas
Do sussurro de um beijo a doce melodia.
 

Este rio é o meu sonho, um sonho azul e puro,
Como um canto do Céu, como um braço do Mar;
Loura réstia de sol a rebrilhar no escuro,
Casta luz que cintila em torno de um altar.
 

De um altar que palpita e que sofre e que sonha,
Soletrando a cantar a linguagem do Amor...
Do altar do Coração, a paisagem risonha
Onde brotam sorrindo as ilusões em flor.
 

Vem beber, meu amor, neste rio que é fonte,
É fonte de esperanças e lago de quimera...
Vem morar n’um país que não tem horizonte,
Onde não chora o Inverno e só há Primavera.
 

NOITE CRUEL
                                                 A meu irmão Henrique
 

Morrer... morrer... morrer... Fechar na terra os olhos
A tudo o que se ama, a tudo o que se adora;
E nunca mais ouvir a música sonora
Da ilusão a cantar da vida nos refolhos...
 

Sentir o coração ferir-se nos escolhos
De tormentoso mar, - pobre vaga que chora! -
E no arranco final da derradeira hora,
Soluçando morrer num oceano de abrolhos.
 

Nem ao menos beijar - ó supremo desgosto! -
A mão doce e fiel que nos enxuga o rosto
Mostrando-nos o Céu suspenso de uma Cruz...
 

E perguntar a Deus na agonia e nas trevas:
Onde fica, Senhor, a terra a que nos levas,
Com as mãos postas no seio e os dois olhos sem luz?!

Alto da Saudade.
 

ADEUS, GENTIL!
                                                     A Olindina Medeiros
 

Que manhã feia e escura aquela em que partiste!
Recordas-te, Gentil? O Céu estava triste,
Sem um raio de sol, nevoento, sombrio,
Bem como um coração amargurado e frio...
 

Um sorriso divino inundava-te o rosto
De inocência e de luz... e eu sentia o Desgosto
Ferir-me o seio, enquanto, a beijar-te, chorando,
Meu lábio estremecia um adeus murmurando.
 

Ah! dentro de minh’alma, assim como n’um mar,
O batel da Saudade, a boiar, a boiar,
Parecia atrair-me à ventura e à Alegria
Para o abismo cruel onde mora a Agonia.
 

Pequenino como és, não sabes compreender
A mágoa que alucina e que faz padecer
Ao pobre coração pela angústia ferido
Ao ver sumir-se longe um rosto estremecido.
 

Hóstia loura e formosa, ó meu sonho dourado!
Açucena do Céu, arcanjo imaculado
Que as asas virginais desdobras sobre a terra...
Longe de ti, eu choro, assim como na serra
A doce juriti que soluça e padece,
Quando o sol vai morrendo e quando a noite desce.
 

Adeus, meu colibri! adeus, minha saudade!
Criancinha que eu amo, ó flor de castidade!
Mimoso lírio puro, inocente e grácil,
Camélia desabrochada ao sol do mês de Abril!
 

Adeus! Adeus! Adeus!
                                    Sacode as asas puras,
Ó lindo sonho branco! e lança às amarguras
De minha vida triste o pó de ouro sagrado,
Que elas deixam cair do sacrário estrelado
Que tens na cabecinha esplêndida e divina,
Ó criança formosa, ó alma cristalina!

Alto da Saudade - 14 de Maio de 1899.
 

MANHÃ NO CAMPO
                                                              A Maria Nunes 
 

Estendo os olhos pelo prado a fora:
Verdura e flores é o que a vista alcança...
- Bendito oásis onde o olhar descansa
Quando saudades do passado chora. -
 

Escuto ao longe uma canção sonora.
Voz de mulher ou, antes, de criança
Entoa o hino branco da Esperança,
Hino das aves ao nascer da Aurora.
 

Por toda parte risos e fulgores
E a Natureza desabrochando em flores,
Iluminada pelo Sol risonho,
 

Recorda um’alma diluída em prece,
Um coração feliz que inda estremece
À luz sagrada do primeiro sonho!
 

Remetente: Walter Cid


 


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