Auta de Souza

1. Ao cair da noite.
2. Noites amadas.
3. Flôr do campo.
4. Na primeira página da “Imitação de Cristo”.
5. Clarisse.
AO CAIR DA NOITE
                                       A Maria Emília Loureiro
 

Não sei que paz imensa
Envolve a Natureza,
N’ess’hora de tristeza,
De dor e de pesar.
Minh’alma, rindo, pensa
Que a sombra é um grande véu
Que a Virgem traz do Céu
Num raio de luar.
 

Eu junto as mãos, serena,
A murmurar contrita,
A saudação bendita
Do Anjo do Senhor;
Enquanto a lua plena
No azul, formosa e casta,
Um longo manto arrasta
De lúrido esplendor.
 

Minhas saudades todas
Se vão mudando em astros...
A mágoa vai de rastros
Morrer na escuridão...
As amarguras doidas
Fogem como um lamento
Longe do Pensamento,
Longe do Coração.
 

E a noite desce, desce
Como um sorriso doce,
Que em sonhos desfolhou-se
Na voz cheia de amor,
Da mãe que ensina a Prece
Ao filho pequenino,
De olhar meigo e divino
E lábio aberto em flor.
 

Ah! como a Noite encanta!
Parece um Santuário,
Com o lindo lampadário
De estrelas que ela tem!
Recorda-me a luz santa,
Imaculada e pura,
Da grande noite escura
Do olhar de minha mãe!
 

Ó noite embalsamada
De castas ambrósias...
No mar das harmonias
Meu ser deixa boiar.
Afasta, ó noite amada,
A dúvida e o receio,
Embala-me no seio
E deixa-me sonhar!
 

NOITES AMADAS
 

Ó noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh’alma canta como a sereia,
Vive cantando n’um mar de rosas;
 

Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ó noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!
 

Vós sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança de mágoas nua...
 

Ó noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!

Macaíba - Agosto de 1898.
 

FLOR DO CAMPO
                                                   A meu irmão Eloy
 

     Moça ingênua e formosa,
Ó doce filha do sertão agreste!
    O teu olhar celeste
Tem o fulgor da Noite luminosa.
 

     Guarda a mesma doçura,
O mesmo encanto feito de esperanças
     Dos olhos das crianças,
Ninho de sonho e ninho de ternura.
 

     A luz do Paraíso,
Quando a alegria tua boca enflora,
     Resplende como a aurora
Na graça virginal de um teu sorriso.
 

       É’s inocente e boa
Como a Quimera que em teu seio canta
     Tens a beleza santa
Da pomba amiga que no Espaço voa.
 

    Jamais alguém te disse
Que tens o rosto branco como o gelo,
    A noite no cabelo
E o sorriso tão cheio de meiguice.
 

    Por isso inda é mais bela
A tua fronte cândida e tranqüila,
    E o fogo que cintila
No teu olhar é como o de uma estrela.
 

    Angélica e suave,
É tua voz que as almas adormece,
    Um ciciar de prece,
Embalando a saudade de algum’ave.
 

     Hoje tu’alma ignora
Toda a magia deste rosto puro;
    Mas, olha, no futuro
Lembrar-te-ás do que não vês agora.
 

     E, então, com que saudade
Recordarás esse passado morto
    Em triste desconforto,
Chorando os sonhos da primeira idade.
 

     Ó lindo malmequer,
Anjo que vives a sonhar com Deus...
    Põe os olhos nos meus
E ouve bem séria o que te vou dizer:
 

     Um dia, talvez cedo,
Teu coração palpitará inquieto
     E, transbordando afeto,
Há de afagar um íntimo segredo.
 

     Para tu’alma honesta
O Céu inteiro, iluminado, ó flor!
    Com a luz de um puro amor
Há de brilhar como uma Igreja em festa.
 

     E assim, risonha e calma,
Conduzirá ao porto da aliança,
     Na barca da Esperança,
Como um troféu, o noivo de tu’alma.
 

    E Deus há de baixar
Sobre estas duas mãos que o padre estreita,
    A bênção mais perfeita,
O seu mais doce e mais divino olhar.
 

     Feliz, muito feliz,
A tua vida correrá de manso
     No plácido remanso
De quem adora o Céu e o Céu bem-diz.
 

     Depois, do Paraíso,
Jesus há de enviar-te uma filhinha,
     Formosa criancinha
Que embalarás cantando n’um sorriso.
 

     E ela há de ser bonita
E boa como tu, anjo terrestre,
     Ó linda flor silvestre,
Minha singela e casta margarida!
 

     E após anos e anos,
Quando ela ficar moça e no teu rosto
     A sombra do sol posto
For desdobrando o manto dos enganos.
 

     N’um dia de verão,
Sentado à porta, à hora do descanso,
    Sorrindo, bem de manso,
Há de dizer, pegando-te na mão.
 

     O velho esposo amigo:
- Repara como é linda a nossa filha!
     Seu riso como brilha!
Eras assim quando casei contigo.
 

     E tu hás de evocar,
Entre saudades trêmulas e ais,
    Aquele tempo que não volta mais!
 

     E no gracioso olhar
De tua filha os olhos mergulhando,
     Deixarás a tu’alma ir flutuando
 

     Sobre a onda bendita
Daquele mar puríssimo e dolente...
 

E, então, murmurarás saudosamente:
     Ah! como fui bonita!

Alto da Saudade.
 

NA PRIMEIRA PÁGINA
DA “IMITAÇÃO DE CRISTO”

                     Vinde a mim todos os que estais fa-
                           tigados e oprimidos, e eu vos conso-
                            larei.
                            IMIT. DE CRISTO L. IV. cap. I
 

Quando meu pobre coração doente,
Cheio de mágoas, desolado e aflito,
Sinto bater descompassadamente,
Abro este livro então: leio e medito.
 

Leio e medito nesta voz celeste
Quem vem do Além, qual mensageiro santo,
Trazer um ramo de oliveira agreste
Aos que navegam sobre o mar do pranto.
 

Meus pobres olhos sempre rasos d’água,
Por um instante deixam de chorar;
E nas asas da Prece a minha mágoa
Vai-se um momento para além do Mar.
 

E d’entro d’alma, nua de esperança,
Eu penso ouvir como n’um sonho doce
Alguém que fala numa voz tão mansa
Como se o eco de um suspiro fosse:
 

“Vem a mim se padeces: no meu seio
Corre a fonte serena da Alegria...
Eu sou Aquele que sorrindo veio
Dourar as trevas da Melancolia.
 

Eu sou um branco e pálido sorriso
Iluminando a tua solidão:
Faze de minha Cruz um Paraíso
E do meu Coração teu coração.
 

Faze-te humilde, humilde e pequenina,
Como as crianças, como os passarinhos...
Escuta e guarda a minha lei divina,
No sacrário ideal dos meus carinhos.
 

Não sabes quanto padeci no Horto,
Por ti, por teu amor, filha querida?
Eu sou o Anjo formoso do conforto,
Venho trazer o bálsamo à ferida.
 

Carrega a tua Cruz e vem comigo
Pela estrada da Dor e do Tormento.
Eu serei teu irmão, teu sol, o amigo
Que em lírios mudará o sofrimento.
 

Venho trazer a Paz... Longe da terra
A Paz habita... Ao pé do Santuário,
Ó minha filha, a doce paz se encerra
Dentro da Hóstia, dentro do Sacrário.

Felizes os que sofrem e no meu seio
Recolhem suas queixas como preces;
Volta o pesar ao Céu de onde ele veio...
Feliz, ó sim! feliz tu que padeces!”

.. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 

E a mesma voz escuto, o mesmo canto,
De cada vez que o meu olhar ungido
Cai docemente n’este livro santo,
Lembrança amiga de um irmão querido.
 

Amo tanto o meu livro, ele é tão puro,
Consola tanto o coração aflito!
Ah! desta vida no caminho escuro
Ele será meu talismã bendito!
 

E se ele entreabre, a rir, a boca ingênua e pura,
Casta como da rosa o seio imaculado:
“Abrem-se, par em par, - meu coração murmura -
As portas de coral de um palácio encantado!”
 

Ah! como fico alegre e como canto ao vê-lo!
Foge-me até do seio a sombra do Desgosto.
Inclino-me de leve e beijo-lhe o cabelo
Enquanto o Sol se ajoelha e vem beijar-lhe o rosto...
 

Ó lírio perfumado! Ó manso cordeirinho
Que guardas a Quimera em teu sorriso em flor...
Vive feliz, ó santo, e que jamais o espinho
Da mágoa te atormente, ó pequenino amor!
 

Que o meu Verso te leve, açucena bendita,
Nas asas de cristal, as brancas esperanças...
E o afeto sagrado e a ternura infinita
Que minh’alma consagra a todas as crianças!

Macaíba - Março de 1899.
 

CLARISSE
 

“Não sei o que é tristeza,” ela me disse...
E a sua boca virginal sorria:
Ninho de estrelas, concha de ambrosia
Cheia de rosas que do Céu caísse!
 

E eu docemente murmurei: Clarisse,
Será possível que tu’alma fria
Ouvindo o choro da Melancolia
O ressábio do fel nunca sentisse?
 

Será possível que o teu seio, rosa,
Nunca embalasse a lágrima formosa?
Ah! não és rosa, pois não tens espinho!
 

E os olhos teus, dois templos de esperança,
Nunca viram sofrer uma criança,
Nunca viram morrer um passarinho!
 

Remetente: Walter Cid
 
 

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