Auta de Souza

1. Quando eu morrer.
2. Consolo supremo.
3. Eterna dor.
4. Jesus! Maria!
5. Irmãs.
QUANDO EU MORRER

                                             A Julieta Mascarenhas.
 

Quando eu morrer... (Quem me dera
que fosse n’um dia assim,
n’um dia de primavera
cheirando cravo e jasmim!)
 

... transformem meu coração
- sacrário azul de esperanças -
n’um pequenino caixão
para enterrar as crianças.
 

De meus olhos façam círios,
de meu sorriso um altar
- cheio de rosas e lírios,
tão doce como o luar -,
 

e guardem nele, entre flores,
longe, bem longe da terra,
a Virgem santa das Dores
lá da Igrejinha da Serra.
 

D’aquele sonho formoso
que minh’alma tanto adora,
façam o turíbulo piedoso
que incense os pés da Senhora...
 

E as saudades orvalhadas
- de meu amor triste enleio -
transformem nas sete espadas
de dor que Ela tem no seio!...
 

Se d’este repouso santo
em que meu corpo adormece
vier perturbar o encanto
o choro de quem padece:
eu quero as gotas de pranto
todas mudadas em prece...
 

Prece que leve, cantando,
minh’alma ao celeste ninho,
como um pássaro ruflando
as asas brancas de arminho.
 

 

CONSOLO SUPREMO
 

          A QUEM SOFRE

                               “Bem aventurados os que choram,
                                 porque eles serão consolados.”
                                                                    JESUS.

Os tristes dizem que a vida
É feita de dissabores
E a alma verga abatida
Ao peso das grandes dores.
 

Não acredito que seja
Assim como dizem, não...
Ai daquele que deseja
Viver sem uma ilusão!
 

Se há noites frias, escuras,
Também há noites formosas;
Há risos nas amarguras;
Entre espinhos nascem rosas.
 

E rosas também cobriram
O  lenho santo da Cruz,
Quando os espinhos cingiram
A cabeça de Jesus.
 

Rosas do sangue adorado
- Fonte de graça e de fé -
Brotando do rosto amado
Do Filho de Nazaré.
 

Ó alma triste, chorosa
Como uma dália no inverno,
Despe da mágoa trevosa
O negro cilício eterno!
 

Enquanto vires estrelas
Do Céu no imenso sacrário,
Na terra flores singelas
E uma Cruz sobre o Calvário;
 

Enquanto, mansa, pousar
A prece nos lábios teus,
E souberes murmurar
Com as mãos unidas: meu Deus!
 

Não digas que à luz vieste
Para chorar e sofrer,
E como a plantinha agreste
Sonhar um dia e... morrer...
 

Não digas, pobre querida!
Mesmo se a dor te magoa;
É sempre feliz na vida
A alma que é pura e boa.
 

ETERNA DOR
 

Alma de meu amor, lírio celeste,
Sonho feito de um beijo e de um carinho,
Criatura gentil, pomba de arminho,
Arrulhando nas folhas de um cipreste.
 

Ó minha mãe! Por que no mundo agreste,
Rola formosa, abandonaste o ninho?
Se as roseiras do Céu não têm espinhos,
Quero ir contigo, ó lírio meu celeste!
 

Ah! se soubesses como sofro, e tanto!
Leva-me à terra onde não corre o pranto,
Leva-me, santa, onde a ventura existe...

Aqui na vida - que tamanha mágoa! -
O próprio olhar de Deus encheu-se d’água...
Ó minha mãe, como este mundo é triste!

Utinga - Outubro de 1898
 

JESUS! MARIA!

                                               A Clotilde Sant’Iago

Meu coração guarda escritos
E canta em doce harmonia
Estes dois nomes benditos:
        Jesus! Maria!
 

Se o dia nasce e, na altura,
O sol formoso irradia,
Minh’alma acorda e murmura:
        Jesus! Maria!
 

Se a noite desce e, tão brando,
O Sonho azul me inebria,
Sempre adormeço cantando:
        Jesus! Maria!
 

Da ilusão se o sopro lindo
Todo o meu ser extasia,
Alegre digo, sorrindo:
        Jesus! Maria!

Meu coração, quando pulsa,
Louco de dor e agonia,
Ainda grito convulsa:
        Jesus! Maria!

Jesus! Maria! Invocando
Em vós o sol que alumia,
Quero morrer soluçando:
        Jesus! Maria!

27 de Julho de 1898.
 

RIMAS

                                     A uma menina que pedia
                                      para ler meus versos
 

Queres meus versos? São tristes,
Talvez te façam chorar...
Ó santa, tu não resistes
Às nuvens de meu penar.
 

Foge do frio da dor,
Procura o sol do conforto,
Ajoelha sobre o Tabor,
Não venhas rezar no Horto.
 

Teus olhos são lindos, lindos,
Como noites de verão;
Guardam sorrisos infindos:
Não quero vê-los, ai! não...
 

Cheios de pranto, pousando
Sobre o meu verso dolente...
Tem pena do fulgor brando
De teu olhar Inocente!
 

O pranto é que apaga o brilho
Dos olhos de quem padece:
À mãe, quando perde um filho,
No olhar o brilho fenece.
 

E tu, mimosa criança,
Pomba adorada e franzina,
Em cujo seio a Esperança
Canta a canção mais divina;
 

Por que procuras o espinho
Da dor que fere, atormenta,
Se o teu sorriso é um ninho
Que a graça eterna acalenta?
 

Da mágoa o triste segredo
Vens penetrar sem rebuço...
Ah! queres saber bem cedo
Quanto nos custa um soluço!
 

Ó anjo! foge da dor,
Procura o sol do conforto...
Ajoelha sobre o Tabor,
Não venhas rezar no Horto.
 

Remetente: Walter Cid


 


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