Auta de Souza

1. Morta.
2. Sancta Virgo Virginum.
3. Loli.
4. Caminho do sertão.
5. As mãos de Clarisse.
MORTA

                                               A Jahel Beltrão
 

Dos braços da mãe querida
Desceu Laura à sepultura:
Morreu na manhã da vida,
Criancinha ainda e tão pura!
 

Não viu desabrochar-lhe n’alma
A aurora dos quinze anos;
Fugiu inocente e calma
Do mundo cheio de enganos.
 

Temeu, pobre mariposa!
O encanto louco das brasas,
Pois, na friez de uma lousa,
O arcanjo não queima as asas.
 

De todo o choroso dia
Só nos resta na lembrança,
Como visão fugidia
D’aquela virgem criança:
 

Um caixãozinho funéreo,
- Abismo de nossas dores -
Conduzido ao cemitério
Como uma cesta de flores.
 
 

 

SANCTA VIRGO VIRGINUM

                                                          PRECE

Ó Santa estremecida,
Formosa e Imaculada!
Estrela abençoada
Do Céu de minha vida!
 

Rainha casta e Santa
Das virgens do Senhor,
Eterno resplendor
Que o mundo inteiro encanta.
 

Tu és minha alegria.
Meu único sorriso,
Ó flor do Paraíso,
Angélica Maria!
 

Ai! quantas vezes, quantas!
A minha fronte inclina
Orando a ti divina,
Ó Santa entre as mais santas!
 

Ó virgem tão serena!
Tu és meu sonho doce,
Perfume que evolou-se
De um seio de Açucena!
 

Amada criatura,
Lança-me estremecido
O teu olhar ungido
De imaculada doçura!
 

Ó Arco da Aliança,
Celeste e branco lírio,
Salva-me do martírio,
Senhora da bonança!
 

Envolve no teu véu
A minha triste sorte,
E mostra-me na morte
A porta de teu Céu!

Nova Cruz - Novembro de 1897.

LOLI

                  À memória da pequena Loli, das Carícias
 

Formosa e pura como um lírio puro
Na sua alvura virginal de neve,
Loli, no esquife pequenino e leve,
Lá vai caminho do sepulcro escuro.
 

Vai vestidinha como a Virgem santa
Mãe de Jesus, o doce Nazareno:
Mortalha branca de um alvor que encanta,
Manto estrelado, cor do Azul sereno.
 

Pálida a face, faz lembrar tão linda
De um lírio murcho a palidez sem fim.
Como é bonito amortalhado assim
Um lírio branco desabrochando ainda!
 

O caixãozinho tem a cor divina
Do mundo imenso, onde Jesus habita,
E o frio corpo da gentil menina
Repousa n’ele entre jasmins e fita.
 

Seu cabelito, perfumado e louro,
Cobriram todos de cheirosas flores...
Traz-nos à mente, sepultado em dores,
Um encantado e virginal tesouro.
 

Todos soluçam, meigos, contemplando
O esquife santo que caminha ali.
Beijos saudosos em formoso bando
Voam, gemendo, a procurar Loli.
 

Ó criancinha, ó pequenina aurora!
Descerra as folhas, açucena amiga!
Rosa adorada que o tufão desliga
Da haste mimosa, quem te beija agora?
 

Mas já não ouve, o pobre sonho morto...
Tão longe o esquife! ninguém mais o alcança...
Barco celeste, vai levando ao porto
O corpo amado d’esta flor criança.

......................................................
 

E branca, e branca como um lírio puro,
Na sua alvura virginal de neve,
Loli, no esquife pequenino e leve,
Lá foi caminho do sepulcro escuro.

Jardim - 1897.
 

CAMINHO DO SERTÃO

                                          A meu irmão João Cancio
 

Tão longe a casa! Nem sequer alcanço
Vê-la através da mata. Nos caminhos
A sombra desce; e, sem achar descanso,
Vamos nós dois, meu pobre irmão, sozinhos!
 

É noite já. Como em feliz remanso,
Dormem as aves nos pequenos ninhos...
Vamos mais devagar... de manso e manso,
Para não assustar os passarinhos.
 

Brilham estrelas. Todo o céu parece
Rezar de joelhos a chorosa prece
Que a Noite ensina ao desespero e a dor...
 

Ao longe, a Lua vem dourando a treva...
Turíbulo imenso para Deus eleva
O incenso agreste da jurema em flor.
 

AS MÃOS DE CLARISSE

Causam-me tantos martírios
As tuas mãos adoradas,
Com estes dedos de fadas,
Tão formosos e pequenos...
Que eu chamaria dois lírios,
Se houvesse lírios morenos!

Remetente: Walter Cid


 



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