Auta de Souza

1 - Na Judéia
2 - Flores
3 - Ao meu bom anjo
4 - Lydia
NA JUDÉIA
Imitando a Transfiguração, de G. Crespo
 

Tinha Jesus no olhar o doce azul dos mares
E no cabelo d’ouro os raios estrelares.
 

No seu sorriso em flor alguma cousa havia
Dos beijos virginais dos lábios de Maria.
 

Seu passo era tão leve e sua voz tão mansa
Como deve ser leve um sonho de criança.
 

Ele vinha do Céu dizer ao mundo inteiro:
“Eu sou filho de Deus, Messias verdadeiro.”
 

O povo soluçava ouvindo a voz dolente
Do pálido Jesus, tão doce e tão clemente!
 

E Maria também, lembrando a profecia
Do velho Simeão, da espada da agonia.
 

Soluçava de dor fitando os olhos castos
No rosto de seu filho, em seus cabelos bastos.
 

Mas Jesus, a sorrir, falava à turba imensa,
Silenciosa a escutar, de sua voz suspensa...
 

E a palavra de luz de seus lábios descia,
Como o pranto sem fim dos olhos de Maria.
 

FLORES
A Leopoldina e Rosa Monteiro
 

Quando começa a raiar
O dia cheio de amor,
Eu gosto de contemplar
O coração de uma flor,
 

Desmaiada e tremulante,
Pendendo triste no galho,
Tendo o pistilo brilhante
Embalsamado de orvalho:
 

A rosa só me parece,
Assim tão casta e sem véu,
Um anjo rezando a prece
Um’alma voando ao Céu.
 

Do jasmim puro e mimoso,
A corola embranquecida,
É como um seio formoso
De criança adormecida.
 

Esqueço-me, então, das horas
A contemplar estas flores,
As violetas, auroras,
Saudades, lindos amores.

1894

LYDIA
A Esther
 

Feliz de quem se vai na tua idade,
Murmura aquele que não crê na vida,
E não pensa sequer na mãe querida
Que te contempla cheia de saudade.
 

Pobre inocente! Se alegrar quem há-de
Com tua sorte, rosa empalidecida!
Branca açucena inda em botão, caída,
O que irás tu fazer na eternidade?
 

Foges da terra em busca de venturas?
Mas, meu amor, se conseguires tê-las,
De certo, não será nas sepulturas.
 

Fica entre nós, irmã das andorinhas:
Deus fez do Céu a pátria das estrelas,
Do olhar das mães o Céu das criancinhas.

AO MEU BOM ANJO
 
 

Dizem que a vida não é mais que um sonho,
          Meu Deus, quero sonhar!
Empresta-me, anjo bom, as tuas asas,
Guarda no seio a minha fronte em brasas,
          Ensina-me a rezar!

 

Vamos, vamos, além... foge comigo!
Procuremos bem longe um doce abrigo,
          Na pátria dos arcanjos...
A vida é sonho e como um sonho passa...
Pois bem! vamos viver no Céu da graça,
          Meu Deus, como dois anjos!
 

Quero fugir do mundo tenebroso,
          Labirinto de dores...
Mensageiro divino, vem comigo,
Quero sonhar, viver, sorrir contigo,
          No Éden há só flores!
 

Minh’alma, casta rola abandonada,
Desfalece sozinha pela estrada,
          Não pode mais voar...
Empresta-lhe, anjo bom, as tuas asas:
Sinto estalar-me o coração em brasas,
          Cansado de chorar.
 

Assim voando pelo espaço em fora
E vendo-te a meu lado a toda hora,
Quero - fugindo d’este mundo agreste,
          Unida ao seio teu,
Embalada por ti, anjo celeste! -
Buscar meu ninho pelo azul do Céu!

Remetente: Walter Cid
 
 

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