Auta de Souza

1 - Num leque
2 - Ao mar
3 - Meu sonho

NUM LEQUE
 

Na gaze loura d’este leque adeja
Não sei que aroma místico e encantado...
Doce morena! Abençoado seja
O doce aroma de teu leque amado!
 

Quando o entreabres, a sorrir, na Igreja,
O templo inteiro fica embalsamado...
Até minh’alma carinhosa o beija,
Como a toalha de um altar sagrado.
 

E enquanto o aroma inebriante voa,
Unido aos hinos que, no coro, entoa
A voz de um órgão soluçando dores,
 

Só me parece que o choroso canto
Sobe da gaze de teu leque santo,
Cheio de luz e de perfume e flores!
 
 
 

 

AO MAR
A D. Martha e D. Amélia Pacheco

Ontem à tarde, ao pé de ti sentada,
Eu pus-me a contemplar-te, ó Mar bravio!
Pensava que acolhida em tuas ondas
Talvez minh’alma não sentisse frio!
 

Contei-te, uma por uma, as cruas dores
De minha vida, toda de saudade;
Quis afogar as minhas mágoas fundas
No leito azul de tua imensidade.
 

Como seria bom morrer aí,
Moça, inocente, tendo n’alma em flor
Um mundo virgem de sagradas crenças,
Todo banhado no ideal do Amor!
 

Tu dar-me-ias, então, a sepultura
Nessas espumas murmurosas, belas...
E à noite, se mirando em tuas águas,
Me cobriria o Céu de mil estrelas.
 

Ao pé de ti, como um soluço brando,
Sinto fugir-me, pouco a pouco, a vida...
Chorai, vagas, por mim! dobrai finados
Bem como os sinos de risonha ermida!
 

No mausoléu augusto do Oceano
De outros dobres minh’alma não precisa;
Por súplica mortuária só deseja
O soluço do vento que desliza...

Dezembro de 1893.
 

MEU SONHO
A Yayá e a Maria Leonor Medeiros
 

Eu tenho um sonho que no Céu mora
Feito de luz e feito de amor,
Um sonho róseo como uma aurora,
Um sonho lindo como uma flor.
 

E eu vivo sempre, sempre sonhando,
O mesmo sonho de noite e dia,
O mesmo sonho suave e brando
De minha vida toda a alegria.
 

Quando soluço, quando minh’alma,
Cheia de angústia, fica a chorar.
O sonho amado me traz a calma
E, então, minh’alma põe-se a rezar.
 

Quando, nas noites frias de inverno,
Eu tenho medo da tempestade,
Ele, o meu sonho, consolo eterno,
Transforma as sombras em claridade.
 

Quando no seio, choroso e louco,
Palpita, incerto, meu coração...
O sonho doce vem, pouco a pouco,
Trazer-me a graça de uma ilusão.
 

E eu canto e rio na luz dispersa
Deste dilúvio de fantasias...
Minh’alma voa no Azul imersa
Buscando a pátria das harmonias.

Imagem doce, visão sagrada,
Quimera excelsa dos meus amores,
Pérola branca, delícia amada,
Bálsamo puro das minhas dores;
 

Ele, o meu sonho, farol que encanta,
Guia-me à pátria da salvação,
Sorriso ingênuo, relíquia santa,
Do relicário do coração!

Remetente: Walter Cid
 
 

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