| GOIVOS à memória de Irineu
 
 Um dia... (eu era menina)
Trouxeram-me um passarinho:
 Era uma ave pequenina,
 Roubada ao calor do ninho.
 
 Inda não era sol posto...
Quanto perfume trazia
 A aragem fresca e macia
 Daquela tarde de Agosto!
 
 Devagarinho, no solo,
Sentei-me a cantarolar;
 De manso, pus-me a embalar
 O pobrezinho no colo.
 
 Que tempo estive, não sei!
Do mundo inteiro distante,
 O jardim, naquele instante,
 Foi a terra que eu amei.
 
 Depois... a noite descia...
E eu senti, dentro do seio,
 Não sei que vago receio
 Da tarde que, além, morria!
 
 N’uma gaiola pequena
Fui deitar o passarinho,
 Fazendo lá dentro um ninho
 De algodão frouxo e de pena.
 
 Mas dias depois, ó dor!
Que grande desdita a minha!
 No fundo da gaiolinha
 Achei morto o pobre amor.
 
 Tinha o biquinho entreaberto,
Qual se morresse a cantar,
 E um par de asas aberto,
 Como se fosse a voar.
 
 Chorei sem hipocrisia,
Como se chora em criança...
 Era a primeira esperança
 Que do seio me fugia.
 
   II
 Que de anos já vão! Entanto,
Só recordo, entristecida,
 A hora em que vi sem vida
 O meu pequenino encanto.
 
 E, daquele triste dia
Do meu viver de criança,
 Conservo como lembrança
 A gaiolinha vazia.
 
 Lembrança ingênua e sagrada!
Carícia que se balouça,
 Entre os meus sonhos de moça,
 Como relíquia adorada!
 
   III
 Um dia d’estes, enferma,
Eu recordava, a chorar,
 Um sonho que vi brilhar
 Em minha vida tão erma.
 
 E, cheia de desconforto,
Fui evocando o perfil,
 Sereno, meigo e gentil
 De meu irmãozinho morto,
 
 Quando ouvi, muito baixinho,
Um grito vago e dorido,
 Como o saudoso gemido
 De um’ave, pedindo o ninho...
 
 Quem ousaria, no mundo,
Penetrar na soledade
 Onde gemia a saudade
 Do meu coração no fundo?
 
 Julguei sonhar... Mas, desperta
Estava, ainda, e sozinha!
 Aquele gemido vinha
 Lá da gaiola deserta.
 
 Era o soluço choroso
Da ave que se partira
 E de meu seio fugira
 Em busca do azul formoso!
 Mas... a gaiola vazia,
Que eu conservo noite e dia.
 Não sabem? É o coração...
 É dentro d’ele que mora,
 É dentro d’ele que chora,
 A alma de meu irmão!
 Nova Cruz - 1897.
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