Auta de Souza

1 - Cantando
2 - Celestes
3 - Desalento
4 - Ao Luar

CANTANDO
A meu irmão Henrique
 

Tão mimosa estrela
No céu ontem vi.
Que minh’alma, ao vê-la,
Pensou logo em ti.
 

Pensou em ti, santo!
Vendo-a assim brilhar...
Parecia o encanto
De teu doce olhar.
 

De teu olhar puro,
Meu celeste amor!
Onde o meu futuro
Vai boiando em flor.
 

Vai boiando, à toa,
Sem querer parar,
Qual pena que voa,
Suspensa no Ar.
 

Suspensa voando
Como um Querubim
Que passa cantando
Pelo Azul sem fim.
 

Pelo Azul se esconda
Quem deseja amar,
Qual nuvem, qual onda,
No céu ou no mar.
 

No céu, se anoitece,
Ninguém vê o sol...
Mas, que importa? A prece
É um rouxinol.
 

Rouxinol que chora,
Mas sempre a cantar.
Quando nasce a aurora,
Também canta o Luar.
 

Também canta amores
Um’alma sem luz...
Nunca viste flores
Aos pés de uma Cruz?
 

Aos pés de Maria,
Como é bom rezar!
Que casta ambrosia
Se espalha no altar.
 

Se espalha no lábio!
Sem gosto de fel,
O doce ressaibo
De um favo de mel.
 

De um favo tão doce
Como o teu olhar,
Pois nele encarnou-se
Mimosa, a brilhar...
 

 

Mimosa e tão clara,
A estrela que eu vi!
A luz que me aclara,
Quando penso em ti.

Macaíba - 1896.

CELESTE
A uma criança
 

Eu fiz do Céu azul minha esperança
E dos astros dourados meu tesouro...
Imagina por que, doce criança,
Nas noites de luar meus sonhos douro!
 

Adivinha, se podes, quanto é mansa
A luz que bola sob um cílio de ouro.
E como é lindo um laço azul na trança
Embalsamada de um cabelo louro!
 

Imagina por que peço, na morte,
- Um esquife todo azul que me transporte,
Longe da terra, longe dos escolhos...
 

Imagina por que... mas, lírio santo!
Não digas a ninguém que eu amo tanto
A cor de teu cabelo e dos teus olhos!

Jardim - Agosto de 1897.

DESALENTO

Quando o meu pensamento se transporta
A’s praias de além-mar,
Sinto no peito uma tristeza imensa
Que manda-me chorar.
 

É que vejo morrerem, uma a uma,
Santas aspirações,
E voarem com os pássaros saudosos
As minhas ilusões...
 

Nunca julguei que a terra fosse um túmulo
De sonhos juvenis,
Sorrindo acreditei que aqui, no mundo,
Podia ser feliz...
 

Enganei-me: - a tristeza, que me oprime
O coração sem luz...
Como o Sol o derradeiro raio
Nos braços de uma cruz...
 

A trêmula saudade que entristece
E faz desfalecer;
Essa agonia lenta que me inspira
Desejos de morrer... -
 

Tudo me diz que a vida é o desengano,
A morte da Ilusão,
E o mundo um grande manto de tristezas
Que enluta o coração.

Jardim - 1893.

AO LUAR
A Maria Fausta e a Mercês Coelho
 

Astros celestes, docemente louros,
Giram no espaço, em luminoso bando;
Ouve-se ao longe um violão plangente
E, mais além, n’um soluçar dolente,
Canções serenas, ao luar voando.
 

Quanta tristeza pela noite clara!
Quanta saudade pelo azul boiando!
Cuida-se ouvir, n’um dolorido choro,
As preces tristes de um magoado coro
De almas penadas ao luar rezando.
 

O céu parece uma igrejinha antiga
Que a lua branca vai alumiando...
E essas estrelas, muito além dispersas,
São rosas brancas no Infinito imersas,
Monjas benditas, ao luar chorando.
 

Os pirilampos, pelas moitas tristes,
Voam, calados e sutis, brilhando...
Lembram descrenças, a bailar sombrias,
Ilusões mortas de esquecidos dias,
Almas de loucos, ao luar passando.
 

Flocos de nuvens pela Esfera adejam,
Barcos de neve pelo Azul formando...
Semelham preces que se vão da terra,
Almas mimosas, que este mundo encerra,
De criancinhas, ao luar sonhando.

Eles parecem também velas brancas
Soltas, à toa pelo mar vogando...
Leves e tênues, a correr imensas,
Folhas de lírios pelo Ar suspensas,
Aves saudosas, ao luar chorando.
 

Ai! quem me dera ser também criança!
Ai! quem me dera andar também voando! 
Fazer dos astros um barquinho amado,
N’ele vagar por todo o Céu dourado,
As minhas dores ao luar cantando!

Angicos - Junho de 1896.

Remetente: Walter Cid
 
 

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