Augusto Severo Netto

POEMA QUASE VEGETAL AO CLAMOR DE UNS OLHOS
 
Içar-me âncoras 
rebentar amarras
partir sisáis que me seguram aos portos
cheios do limo dos anseios mortos
romper cadeias que me aferram ao solo
ser suicida
atirar-me ao colo
daquela nuvem que agasalha os montes.

Estou sedento 
onde estão as fontes
de onde brotam os rios
e os mares?

Ah! nascer asas
me perder nos ares
até  que o mundo triste não mais seja
esconder-me onde ninguém me veja
e nem no tempo possa mais buscar-me
renascer-me árvore sozinha
eraizar-me em frente aquela igreja.

Que venhas só
e que ninguém te veja 
em frente à igreja poderás achar-me
serei fecundo
de ramagem
e frutos
e nunca mais conseguirás deixar-me
serás também
de mim
árvore gêmea
silhuetando anseios no nascente
estátua de querer contra os espaços
braços de seiva procurando braços
pés de raízes
húmus
terra dura.

Teremos sombra
uma sombra pura
sombra tranqüila como são os lagos
frases vadias
pensamentos vagos
versos boiando à flor de estarmos juntos
longes silêncios
longes pensamentos.

Orquestrarás o festival dos ventos
e eu
poeta
não te direi nada
lerei teus olhos de clamores mudos
olhos de mar
de acordes
de infinito
olhos que gritam o olhar que eu grito
nascendo estrelas
algas
e espumas
              (ah! morrer ébrio
               dissipar as brumas
               que nascem muros
               e assassinam espaços!)
Confundirei meus braços nos teus braços
beijar-te-ei
e tu serás sagrada.

  
Remetente : Walter Cid

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