Álvaro Pacheco

Pesquisa
 
 
I 
  

investigo 
a âmago da solidão: eis um ego 

dividido 
que não se dissolve em seus ritmos 
lentos e precisos, ninguém sabe 
a fórmula, os componentes, apenas 
pressentimos a síndrome - e que desejos 
esbarraram aqui neste espaço 
sem flores e de árvores de outono, 
que nomes de mulher, e quantos 
desesperos - ah, neste chão de vertigens 
é mais intenso sofrer 
quando se está ao alcance, em torno 
do orgasmo - e essa morte não vem. 

§ 

a ponta de minha asa 
roçando o céu de teu ventre 
mãe sem filho de meu êxtase. 

a solidão desbotada 
como um campo azul de pássaros 
e frutas maduras (roxas) 
que se devoram recíprocas. 
(roço apenas, como em sonho, limite do pensamento 
- e me abismo em gozo - e gozo). 

sou apenas um infante 
que se alimenta na fonte 
onde vai morrer a morte. 

§ 

em que língua estrangeira 
traduzir o sentimento 
e esta noite?, em que palavras 
não sentir - e persistir? 

quietamente repouso 
no outono do parque estrangeiro, dormem 

os velhos e as árvores agonizantes 
que não podem replantar-se 

nos seus tons amarelos 
contemplo uma verdade: 
a solidão é um outono 
pleno de sol. 

§ 

happiness 
is like a falling leaf 
so tender, so fragile 
but when coming 
inevitable. 

§ 

para o fim da viagem programo meu sonho: 
será em crateras 
de ilhas vulcânicas 
e mares azuis. 

para o fim das memórias 
dos extremos neurônios 
programo o orgasmo: 
será um espasmo 
transcrito em sementes.

                                                          Londres, 20/10/74
 
II 

dessas coisas é desfeita a vida - 
não apenas nós, os seres humanos, 
os discursos claros, mas das coisas: 

chuva, tempo, terra - e as potências 
reduzidas do amor. 

a vida é desfeita dessas coisas 
recompostas na inversa ordem: 
o desgosto, a insônia, 
a carne que se emprenha 
no momento indevido 
e o homem que se desfaz 
na estação incógnita.

                                                    Rio,  julho 73
 
III 

viveremos outras vezes 
além dessas que vivemos 
morreremos outras vezes 
além dessas que morremos. 

estaremos outras vezes 
que não será de dizer 
descreveremos elipses 
em caminhos hieráticos. 

desceremos ao mais fundo 
impenetrável da vida 
e um dia proporemos 
nosso destino: insistir.

                                                    Rio, 10/11/73
 
XI 

não somos mais que fantasmas 
na galáxia úmida, restos 
de deuses ancestrais e implacáveis, 
o Sol, Ísis, Zeus, Thor, a alma 
que nos ronda e seus mitos 
insuperáveis, não somos 
que destinos no céu, e nestas partes 
temos medo da morte e nos trememos 
de frio: de onde o fundo é claro 
não vemos o chão, é esperar 
que afinal se revele, não somos 
que fantasmas 
da galáxia úmida, passos 
itinerantes 
de deuses inexplicáveis.

                                                    Rio, 18/12/74
 
XIII 

nestes seres humanos 
qual a geografia? 
melhor, qual o tônus 
e a sombra, e a euforia? 

nestes seres humanos 
qual o ser da alegria, 
e a dor que comove 
sua não serventia? 

nestes seres estranhos 
tão inúteis, o dia 
qual o tempo, o sol 
qual o sonho seria?

                                                    S. Paulo, 19/11/73
                                                                                   

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 Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  01  de  Julho  de  1998