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            Walter Fontoura   Em 
  25.05.2001
 
   A editora Idéia, de João Pessoa, 
            acaba de lançar “Caracóis na praia”, de Ascendino Leite, mais um 
            volume do longo jornal literário do autor, que se recolheu à 
            Paraíba, no fim dos anos 80, “para continuar a escrever e manter-se 
            vivo”. Aos 86 anos, lúcido, memória surpreendente, Ascendino Leite saiu da 
            Paraíba nos anos 40 para fazer jornalismo no Rio. O jornalismo era 
            pretexto: como tantos contemporâneos que deixavam João Pessoa com 
            destino à capital do país, naquele tempo, o que ele queria era ser 
            escritor; fazer literatura.
 Nos anos 50, já redator-chefe do 
            “Diário Carioca” depois de passar pelos principais jornais do Rio, 
            Ascendino Leite lança, com grande repercussão, “A viúva branca”, seu 
            romance de estréia, a que se seguiriam “O salto mortal”, “A prisão” 
            e “O brasileiro”.  Alceu do Amoroso Lima, o Tristão de 
            Athayde, publicaria mais tarde, no “Jornal do Brasil”, sob o título 
            “Remorso”, artigo em que lamenta só então ter tido contacto com a 
            literatura do jovem escritor paraibano. Elogio de Tristão de Athayde 
            era a consagração: ele foi acordado, naquele dia, por um efusivo 
            Josué Montello, que já tinha lido o jornal e queria cumprimentá-lo.  Ascendino era diretor do “Diário 
            Carioca” mas ia diariamente à Câmara dos Deputados, que tinha na 
            bancada da imprensa Carlos Castello Branco, Villas-Bôas Corrêa, 
            Murilo Marroquim, Heráclio Salles, Hermano Alves, Nertan Macedo, 
            Octacílio Lopes, Oyama Telles, Benedito Coutinho, Raymundo de Souza 
            Dantas, Pedro Gomes, Fábio Breves, Queiroz Campos, Esperidião Ésper 
            Paulo, Carlos Fidalgo, Ormeu Fontenelle, Cícero Sandroni, Mário 
            Franqueira, os irmãos Haroldo e Tarcísio Holanda, Murilo Mello Filho 
            e outros.  No plenário, Carlos Lacerda, San 
            Tiago Dantas, Gustavo Capanema, Nestor Duarte, Fernando Ferrari, 
            Adauto Lúcio Cardoso, Prado Kelly, Aliomar Baleeiro, Afonso Arinos, 
            Yvette Vargas, Rafael Corrêa de Oliveira, Raul Pilla, Vieira de 
            Melo, Ruy Ramos, José Maria Alkmim, Mário Martins, Breno da 
            Silveira, José Joffily, Rogê Ferreira, Miguel Bahoury, Brito Velho, 
            Flores Soares, Almino Afonso, José Arnaud, Antônio Feliciano, 
            Armando Falcão, Aurélio Viana, Último de Carvalho, José Bonifácio de 
            Andrada, Ranieri Mazzilli, Temperani Pereira, Bias Fortes, Ney 
            Braga, Ruy Santos, José Sarney, Seixas Dória, Antônio Carlos 
            Magalhães, Ulysses Guimarães, Pacheco Chaves e muitos outros, entre 
            os quais Octávio Mangabeira e o lendário Flores da Cunha, com 
            assento cativo e placa dourada, com seu nome, na primeira cadeira à 
            direita, defronte à Mesa.  Seriam os últimos anos do Congresso 
            no Rio, e a Câmara e os debates eram grande atração na vida da 
            cidade: além de tudo, ar condicionado perfeito; só perdia para os 
            cines Metro. No governo Lacerda, início dos anos 60, Ascendino Leite 
            deixa o jornal e aceita convite para dirigir o Serviço de Censura de 
            Diversões Públicas.  Anti-comunista, e identificado com 
            Carlos Lacerda, de quem era amigo, ele está à frente do SCDP quando 
            Jânio Quadros renuncia, em agosto de 1961. Nas escaramuças dos dez 
            ou quinze dias que se seguiram, antes de chegar-se à fórmula (o 
            parlamentarismo) que permitiria a posse de João Goulart na 
            presidência da República, a imprensa é posta sob censura.  Cada redação de jornal no Rio 
            receberia, naqueles dias, três oficiais do Exército, incumbidos de 
            executá-la. O Serviço de Censura de Diversões Públicas nada tinha 
            com censura à imprensa: limitava-se a classificar filmes e 
            espetáculos teatrais e outros, como impróprios ou não para menores.  A censura à imprensa fôra imposta por 
            determinação do ministro do Exército (então chamado da Guerra), o 
            marechal Odylio Denys. O SCDP era órgão subordinado ao governo do 
            Estado. Por alguma razão, no entanto, espalhou-se a versão de que 
            Ascendino fôra o responsável pela censura – e uma forte facção de 
            esquerda do sindicato dos jornalistas decidiu expulsá-lo.  Era uma infâmia, uma iniqüidade. Mas 
            naqueles dias comunistas e anti-comunistas dividiam-se em luta – na 
            universidade, nas redações, nos sindicatos -, às vezes aberta, na 
            defesa de suas posições. E alguém resolveu acertar com Ascendino 
            alguma conta antiga.  Pouco antes, num de seus rompantes, o 
            presidente Jânio Quadros mandara tomar providências contra a agência 
            americana de notícias Associated Press, irritado com reportagens de 
            seu correspondente no Rio. E não houve nenhum protesto do sindicato 
            ou de quem quer que seja, em defesa da liberdade de imprensa.  Na primeira assembléia do sindicato 
            dos jornalistas, a que Ascendino não compareceu nem mandou 
            representante ou explicações, houve grande tumulto, quase 
            pancadaria. A reunião foi suspensa quando alguém ponderou que o 
            “réu” estava a ponto de ser julgado sem ter o direito de 
            defender-se.  Decidiu-se então convocar nova 
            reunião, alguns dias depois, para deliberar à vista da “defesa” do 
            “acusado”. Mas Ascendino, instado a defender-se, perdeu a paciência 
            e as estribeiras, e mandou ao sindicato uma carta desaforada. A 
            esquerda e as patrulhas ideológicas nunca o perdoaram – nem 
            Ascendino Leite perdoou a esquerda, e muito menos as patrulhas 
            ideológicas.  Nomeado tabelião de um ofício de 
            notas do Rio, pouco depois, recolheu-se aos livros e ao seu jornal 
            literário, passando o tempo entre o Rio e São Pedro da Aldeia, onde 
            mantinha casa. Dedicado aos seus livros, avesso às “panelinhas”, 
            cultivou a família e os amigos, mas como um “outsider” refratário à 
            cena aberta.  O jornal começa com “Passado 
            indefinido” e segue: “Os dias duvidosos”, “O lucro de Deus”, “A 
            velha chama”, “As coisas feitas”, “Visões do Cabo Branco”, “O vigia 
            da tarde”, “Um ano no outono”, “Os dias esquecidos”, “O jogo das 
            ilusões”, “Os dias memoráveis”, “O velho do Leblon”, “Momentos 
            intemporais”, “Euismos”, “Os Pecados Finais”. Como fragmentos do 
            jornal literário, publicou “Durações”, “Sol a sol nordestino”, 
            “Sementes no espaço (2 volumes), “Visões e reflexões do 3° céu”, “Euismos”, 
            “As doces vozes do silêncio”. Finalmente, “Caracóis na praia”, 
            lançado em março último.  Não são propriamente um diário, 
            embora também o sejam, sem preocupação de ordem cronológica. 
            Ascendino registra impressões, dúvidas, inquietações; pessoas que 
            conheceu, fatos que presenciou. Como nessa passagem de “Caracóis na 
            praia”:  “Havia, no meu tempo de imprensa, 
            dois tipos de jornalismo e conseqüentemente, dois tipos de 
            jornalista.  O primeiro, era o jornal dos fatos, o 
            jornal da notícia, feito para as necessidades primárias do público, 
            e que nem sequer opinava. Impunha-se pela significação do seu poder 
            informativo, atrelado quase sempre ao sensacionalismo. O segundo estabelecia, por sua 
            própria destinação, sempre política, quase que uma categoria na 
            imprensa. Uma classe. Um padrão. Certa projeção de responsabilidade. 
            Uma certa truculência no dizer.  Não posso dizer que sempre fosse 
            nobre. Mas se comprometia essencialmente com valores culturais, de 
            povo e de elites, e assim construía a opinião pública, afeiçoada à 
            ânsia de influência e de poder. Através de um programa próprio; de 
            uma linha definida face aos imperativos da informação e às 
            conveniências dos centros do poder.  Tudo isso nos seus espaços técnicos – 
            as várias, os tópicos – a “Vária” do Jornal do Comércio era o modelo 
            – os sueltos, os editoriais.  Os articullistas – e colaboradores, 
            em certos casos – davam ao jornal uma personalização intelectual, 
            uma característica de autoridade, que se confundia, nos seus 
            trabalhos, com os próprios rumos da cultura e da liberdade do país.
            Comprava-se o jornal para ler um Macedo Soares. Os artigos de um 
            Assis Chateaubriand ou de um Costa Rêgo. As crônicas de um Pedro 
            Dantas. A coluna de um Rafael Corrêa de Oliveira, de um João Duarte 
            Filho. Pouco antes, ou ao mesmo tempo, desperdiçavam talento 
            verrinoso, nos seus respectivos jornais, um Ricardo Pinto e um 
            Gondim da Fonseca.
 Carlos Lacerda irrompeu entre eles 
            como um tigre e transformou a imprensa numa tribuna.  Porque, escrevendo, tinham a seu 
            modo, nos segredos e mistérios do talento, da inteligência e do 
            temperamento, a marca pessoal, o gosto pela frase, da linguagem à 
            idéia, e desta à expressão literária; uma certa postura de 
            pensamento que os transformava em verdadeiros escritores de jornal. 
            Prosadores para o povo, para as elites, principalmente.  Certa vez, trabalhando em outro órgão 
            da imprensa, tomei uma assinatura do Diário de Notícias, de que fui, 
            anos depois, chefe de redação, só para ler os artigos de Osório 
            Borba, o mesmíssimo autor desse livro inesquecível que é a Comédia 
            Literária.  Pois o meu caro Nertan é um desses, 
            um escritor, um jornalista com estilo. E tão necessariamente 
            escritor que o livro jamais lhe foi um acidente. É só consultar-lhe 
            a bibliografia”.  Esse “meu caro Nertan” a que 
            Ascendino Leite se refere é Nertan Macedo, autor do belíssimo 
            “Cancioneiro de Lampião”, e mestre da verrina. Um dia, para fustigar 
            o “aplomb” do deputado Ranieri Mazzilli, sentenciou, na sua coluna 
            da Tribuna da Imprensa: O deputado Ranieri Mazzilli preside as 
            sessões da Câmara com a pose de um senador romano – e a inteligência 
            do Primo Carnera.  Em abril de 1988, Ascendino perde a 
            mulher, Rosa, companheira de toda a vida, mãe de seus filhos, e com 
            ela o gosto pela vida. Amargurado, incapaz de conformar-se, decide 
            no ano seguinte voltar à Paraíba, com breve passagem por Natal, 
            antes de fixar-se em João Pessoa, no Cabo Branco, defronte ao mar, 
            para continuar a escrever – e manter-se vivo.    
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