Afonso de Freitas 

Lembranças de Viana
 
Viana, 
mansa e leve, 
de ruas estreitas e tristes 
mas com o sabor de sonho e eternidade 
por isso convivo com o gosto de lago  
permanentemente resmungando saudades. 

As lendas de Mocoroca 
locomovem-se na dor que não aduba 
mas remove e resolve o meu itinerário 
magoando, no patuá das lembranças 
o calendário 
que os vaqueiros riscam nos portais, 
os pescadores contam nos dedos  
e que eu não enxergo na fluidez do mais, 
mas conduzo na maquilagem do panorama  
envolvendo de encantos 
as manhãs, os campos, o lago 
e os crepúsculos de Viana. 
Bambos panos de mastros nos fatigados barcos 
no plástico bailado das canoas, 
piquenique de aves sobre o lago 
umas chegando enquanto outras voam, 
pingos móveis no campo: 
negros, castanhos, malhados, brancos, 
do gado pastando na distância  
e as velhas casas erguendo-se das águas 
num bale de lembranças. 
Nas cintilações sobre as cristas das vagas 
na escuridão do lago, 
flutuam sussurros plenos de ternura 
como se fossem estrelas em diálogo, 
mas aos zurzidos dos chamatós nas calçadas, 
e ruídos aurorais das redes nas escápulas, 
o lago volta ao festival das garças, 
o vento sopra o velâmen e a neblina, 
dos telhados encardidos os pássaros esvoaçam 
e tudo se ilumina 
sobre Viana, mansa e leve, 
onde as coisas nascem antigas 
e nunca mais envelhecem.

 
Remetente: Chico Poeta

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Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  24 de novembro de 1997