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			Afonso Ligório 
                                         
                                            
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
              
			
			O teste 
			 
  
			
			Carlos desviou subitamente o 
			pensamento, quando milhares de vozes gritaram: 
			
			— Goooooooooooooool! 
			
			Atordoado, sua primeira reação foi de 
			culpa, como se estivesse a receber uma repreensão de todo o estádio. 
			Sem querer recompôs mentalmente os lances da partida que não 
			acompanhara, embora na hora do gol estivesse olhando os jogadores. 
			Na realidade, o gol pouco importava. A súbita ausência, o “branco” 
			naquele momento é que o deixou apreensivo. 
			
			Ao longo das arquibancadas, viu 
			bandeiras, flâmulas e braços levantados, marcando com movimentos 
			nervosos a vibração da torcida. 
			
			— Você viu a moleza? — Alguém se 
			aproximou tocando o braço de Carlos. 
			
			— Não! — respondeu de imediato, com 
			rispidez. Detestava essas intimidades num campo de futebol, a troca 
			de opiniões como se fossem velhos conhecidos. 
			
			Enquanto olhava o jogo, pensamentos 
			entrecruzaram-se e ele semicerrou os olhos para soltar a imaginação. 
			Os jogadores se distanciaram do seu foco visual, tornaram-se 
			evanescentes, superpostos a novas formas que a mente projetava. 
			Via-se frente a frente com pessoas que só em pensamento conhecia. Um 
			murmúrio coletivo por causa de um gol perdido devolveu-lhe a 
			realidade. Isto o fez levantar-se subitamente da cadeira, quase de 
			um salto. Resolveu deixar o campo antes de terminar o jogo. Assim 
			evitaria a multidão suarenta, dispersando-se aos empurrões. Ao 
			descer os primeiros degraus, deteve-se do mesmo modo brusco, como 
			quem muda de idéia. 
			
			“Para onde ir?” — indagou-se. Não 
			saiba qual a direção. Temendo haver despertado a atenção dos 
			circunstantes, dissimulou com olhares longos, por cima das cabeças, 
			para o campo, fingindo acompanhar com interesse os lances da 
			partida. 
			
			Casa, cinema, vagar pelas ruas? Para 
			onde ir, afinal? A indefinição e o calor da tarde o torturavam, 
			principalmente por se encontrar naquela arquibancada, de pé, sem 
			razão, forçado a dissimular para os que o viram levantar-se 
			apressadamente. 
			
			“Ora, essa!” — Disse irritado, 
			passando a mão nos cabelos seguidas vezes, como um sestro. 
			
			Pensou em Vânia. O que estaria fazendo 
			agora? Fez conjecturas. “Nos braços de outro?” A idéia o atormentou. 
			Apertou as têmporas com as pontas dos dedos. Relembrou episódios que 
			lhe desagradaram. Certa vez ela saiu do trabalho, após conversarem 
			alegremente, alegando dor de cabeça. Pediu para não ser acompanhada. 
			Iria para casa sozinha. Precisava. A solidão fazia bem. Caminhou até 
			a rua seguinte, como quem fosse apanhar o ônibus. Carlos acompanhou 
			com ternura a decisão de Vânia. Ir simplesmente para casa. Que bom. 
			Na outra esquina um automóvel esportivo a esperava. Todas as vezes 
			que pensava em Vânia, a cena vinha-lhe à mente. Decidiu não mais 
			procurá-la. Não adiantava. Ela não o compreendia, zombava de seu 
			sentimento, achava-o zeloso demais, sufocante. Ele sabia. 
			
			“Como pode?” — verbalizou o pensamento 
			confuso, quase aos gritos. Coincidiu com o apito do juiz ao marcar 
			uma falta. Alguém do lado, supondo um protesto, disse solidário: 
			
			— É, companheiro, estamos mesmo 
			perdidos. 
			
			— Perdido! — repetiu a frase, 
			incorporando-a às suas reflexões. 
			
			Chegou em casa antes do jogo terminar. 
			
			Deitou-se na cama, cansado, deprimido. 
			Necessitava de repouso. De onde estava ficou a olhar o teto e 
			mecanicamente começou a contar as manchas do forro, como quem conta 
			carneirinho em busca do sono. Em conjunto as manchas sugeriam formas 
			vivas, como num teste de Rorschach. 
  
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
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