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Antonio Fernando Borges


13.10.2001


Um inventário de mais de 70 anos da presença do 'Brujo'
argentino no Brasil 
 
 
 
Borges no Brasil, de Jorge Schwartz, alentado volume de mais de 600 páginas, procura mapear a
presença da obra e do escritor Jorge Luis Borges no território mental e geográfico brasileiro 

          A mais antiga referência a Jorge Luis Borges (1899-1986) no Brasil parece ser a do modernista Mário de Andrade, que, a 13 de maio de 1928, o mencionava no Diário Nacional, de São Paulo, em artigo sobre o modernismo argentino. Uma das mais recentes talvez seja esta resenha, que o caro leitor tem aí, diante dos olhos. Entre um texto e o outro, lá se vão mais de sete décadas, e centenas de artigos, livros, resenhas, entrevistas e teses acadêmicas com que a intelectualidade brasileira vem procurando dissecar ao infinito a obra do Brujo argentino. Uma parte expressiva desse legado de acertos e erros a respeito de uma das obras mais importantes do século 20 está neste Borges no Brasil, alentado volume de cerca de 600 páginas que procura mapear a presença da obra e seu autor no território mental e geográfico brasileiro. 

             O sucesso de uma obra como a de Borges - tão na contramão de seu tempo, tão especialmente indiferente à política e às miudezas sociais contemporâneas - talvez pudesse sugerir que o lugar metafísico da arte não tenha sido suprido, no essencial, pelo
paradigma moderno. Nesse sentido, um livro como Borges no Brasil bem poderia ser lido como o inventário de um esforço de compreensão. Infelizmente, a profusão e a pressa não são os melhores aliados da reflexão - e livros como este nos dão mostra disso: logo a um primeiro exame, chega-se à conclusão de que foram muitos os que tentaram, mas poucos os que efetivamente conseguiram compreender o escritor argentino. 

             Mais sistemático do que exaustivo, Borges no Brasil, trabalho do talentoso Jorge Schwartz, vem dividido em cinco partes: três coletâneas de textos, uma bibliografia borgiana e uma breve iconografia sobre as duas visitas de Borges ao Brasil. O resultado do conjunto, inevitavelmente desigual, contrasta - e muito - com a obra tão coerente e homogênea que lhes serve de tema. Resulta incômoda tanta verborragia compilada, desproporcional ao estilo claro e conciso de Borges. Nenhuma surpresa no fim das contas: entre um homem e o mito que o envolve, quase sempre se mede a distância de três abismos. 

             Eis, em linhas gerais, a descrição desse trajeto abissal: a primeira parte de Borges no Brasil apresenta os textos das conferências do simpósio "Borges 100", que a área de Pós-graduação de Espanhol da USP realizou em abril de 1999, em comemoração ao centenário de nascimento de Borges - uma efeméride celebrada com ensaiado estardalhaço em todo o mundo. 

             Nos papers aqui reunidos, estudiosos e professores universitários brasileiros desfilam suas idéias e comparações, num painel cerimonioso e sobretudo previsível: Borges e a literatura argentina; Borges e a literatura universal; Borges e a crítica; Borges e seus tradutores; Borges e o cinema - e assim por diante, ad nauseam. 

             A segunda parte traz uma antologia de ensaios e artigos escritos e publicados no país a respeito de Borges. Em ordem não necessariamente cronológica, o capítulo abrange cerca de 25 textos - do já citado artigo pioneiro de Mário de Andrade até extravagantes
leituras contemporâneas, associando o escritor a temas como mitologia, Joyce, Fernando Pessoa e a cabala. Aqui, pelo menos, afogado num mar de referências acadêmicas, o leitor paciente ainda poderá pescar algumas iguarias finas, como os artigos de Otto Maria Carpeaux, Paulo Rónai e Murilo Mendes, autores nada acadêmicos, gênios remanescentes de uma época em que a atividade crítica nada tinha com os reducionismos políticos e os desconstrucionismos da hora. 

             Unanimidade respeitosa 

             Quatro entrevistas com Borges, publicadas no Brasil em diferentes épocas, integram a terceira parte - onde vemos o argentino destilando sua inteligência e seu fino humor, para além do caráter óbvio e protocolar da maioria das perguntas. Completam o volume uma pequena iconografia de suas duas visitas ao Brasil (em 1970 e 1984) e uma extensa bibliografia, elencando (quase) tudo quanto já se publicou no Brasil, de e sobre Borges: desde a tradução de sua obra (poética, ensaística e ficcional) até os livros, resenhas e reportagens que ao longo dos anos vêm procurando transformar o biscoito fino de Borges numa bolacha água-e-sal para as massas. 

             Tanto já se escreveu sobre Borges nos quatro cantos do mundo que o sentimento de repetição e a impressão de cansaço acabam sendo inevitáveis. 

             No Brasil, não ocorre nada muito diferente: autor e obra já mereceram uma infinidade de estudos e comentários, elogiosos ou desfavoráveis, que juntos formam uma estranha espécie de unanimidade respeitosa que parece cercar o Brujo argentino, como uma lenda. Ao recuperar esse fenômeno, Borges no Brasil acaba reforçando o equívoco: a pretexto de apresentar um panorama completo, oferece-nos um retrato pasteurizado e sem sabor - que certamente será útil como obra de referência acadêmica a gerar novos e novos textos acadêmicos, etc, etc. Mas os interessados em conhecer a grandeza de Borges devem continuar se reportando à experiência (incomparável e insubstituível) de ler seus livros. 

             Muito se poderia escrever, ainda, a respeito de Borges no Brasil - e talvez muito ainda se esperasse de uma resenha, face ao próprio tamanho do livro. 

             Mas a brevidade me parece, aqui, a melhor postura a se contrapor a tanta grandiloqüência. Diga-se então, à guisa de final, que um inventário como Borges no Brasil se distancia da obra do argentino como um bicho empalhado em relação a um animal vivo e
selvagem. E o resto é silêncio. 
 
 

BORGES NO BRASIL, de Jorge Schwartz. Unesp, 608 págs., R$ 40,00. 

Antonio Fernando Borges é escritor, autor de Que Fim Levou Brodie? (Record) e Brás, Quincas & Cia. (inédito) 
 

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