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Página atualizada em 04.09.1999
 
Aurora F. Bernardini
in Jornal da Tarde,
Sábado, 4 de setembro de 1999


Régis Bonvicino enfrenta  
desafios ontológicos 
Céu-Eclipse, novo livro de poemas do escritor, representa nova literalidade na trajetória do autor de Outros Poemas 

 
Por Aurora F. Bernardini 

 

Querer que a poesia limite com a filosofia e até mesmo a prenuncie, não é apenas retórica. Depois de Pound e Hölderlin, consagraram-se as formulações "os artistas são as antenas da raça" e "o que fica o fundam os poetas" (ou o "o intuem", conforme a nova interpretação do verso de Höldelin que Umberto Eco dá em Kant e o Ornitorrinco) . Mas mais tarde, no livro Sobre a Certeza, terminado dois dias antes de sua morte, incorporando à Lógica a Retórica ("tudo o que descreve um jogo da linguagem pertence à Lógica") , na realidade do nosso fin-de-siècle quando já não há mais "fundamentos" aos quais se apegar, Wittgenstein como que inverte a coisa: "Se mudam os giros da linguagem, mudam os conceitos e, com os conceitos, as significações das palavras."  

Ora, se os conceitos dependem da maneira como eles são expressos, a linguagem não é apenas a mediação mais importante de nossa condição humana, ela também é (ao menos em parte) co-autora dos próprios conceitos. Com isso chegamos aonde queríamos chegar, ou seja a algumas considerações sobre Céu-Eclipse, Poema-idéia, o novo livro de poemas de Régis Bonvicino, um dos prenúncios (quiçá) do começo do milênio.  

"Às vezes me imagino como uma palavra, num poema. Com uma existência de palavra e espaço branco. E silêncio! Este, a poesia, é o sentido que encontro para estar por aqui", diz Régis em entrevista a Caracol-Viola. Se comparada com a fase anterior - a de Outros Poemas (1990-1992), por exemplo -, onde está ainda muito presente o circuito eu-outro ("Não nada ainda do outro/semelhante ainda ao mesmo/mínimo ainda o outro/ele mesmo não ainda outro/de um mesmo morto outro/insulado em seu corpo/..."), é sintomática essa nova literalidade do poeta. Palavra dentro do poema, interpretando sua situação como uma nova ontologia, o ser-régis é seu próprio evento. A experiência de sua realidade passa a ser em grande parte experiência de imagens/figuras, não raro paradoxais ("estreitos cancelados/por um ir e vir de barcos/" p. 90; "Barco atado ao azul, contra o morro," p. 87), que se perseguem, se despregam, se consomem, se transformam, se substituem ("O sol é céu/em forma de azul/que a água não repete/mesmo em reflexo//mente/é forma de corpo/sentindo-se/ resignada//um e outro/como o vento na água") e se disseminam no texto em níveis diferentes, onde, como na realidade vista do alto do novo milênio, lógica e retórica se intercambiam.  

Mas o que se passou com o "fio de arame" onde estavam suspensas as palavras-borboleta no qual a crítica Marjorie Perloff se apoiou em Ossos De Borboleta, seu livro anterior? Agora ele fez-se "prego" (p. 59 ) ou "horizonte" e assimilou-se à "voz de cabeça" (p. 47) . E a borboleta, de emblema estruturante ("Vincos do mesmo ainda/no íntimo do outro tampouco/cicartrizes unem/tatuagens dissipam/antenas clavadas, em tinta/cacos do outro estilhaços do outro//Uma borboleta fixa encobre/cicatrizes num corpo" - Outros Poemas) fez-se foco e transformou-se em flor ( p. 59).  

Para leituras exemplares:  
 

      "LUZ"  

      "Luz do abajur  
      dicionários  
      no quarto  
      minúsculo  
      sobre a mesa  
      um mapa da lua  
      tinta seca  
      de silêncios  
      gêmeos e frio  
      um prego de arame  
      na cabeça  
      borboletas se acenderam em mim  
      dálias  
      meus dedos  
      se moviam sobre as teclas  
      entretanto  
      sombras  
      antecipavam  
      cada  
      palavra.  
      borboletas se acendem em mim  
      dálias  
      meus dedos sobre as teclas  
      sombras  
      precipitando entretanto palavras" 

A cesura abrupta porém, de simples sinal gráfico passou, qual "cor-/rente/de vento" (p. 29), a elemento de composição.  
 
      "CORO"  

      "Coro de  
      Semáforos  
      Vidros -  
      Sem cor  
      Ritmo  
      A intervalos regulares  
      Áspero  
      De pistas  
      E céu-eclipse  
      Postes  
      Cartões-postais  
      À venda  
      Numa esquina  
      Malva-  
      Rosa artemísia?  
      Ígnea 
      Inesperada vida 
      E retina  
      Um tipo de  
      Jardim" 

A palavra ideal de Bicho Papel - "Eu queria/uma poesia/como um quarto branco/quatro paredes/oito cantos" - como que transpropriou-se à procura de sua verdade e pelo teto, pelo chão... desconfinou-se. As cores fundiram-se, as flores ("quando não cadáver de flor só") povoaram-se de insetos (quando não cegos), as pétalas-páginas abriram-se ao céu em eclipse. Terá a mobilidade do simbólico, "qual concha de nenhum mar", a capacidade "de obviar a morte"? Só numa realidade desrealizada em que, como diz o filósofo, a "propriação" dos seres é dada como "transpropriação", em que, como diz o poeta, a pista é o salto numa nuvem/carga exponencial nula.  

CÉU-ECLIPSE, de Regis Bonvicino. 34, 120 págs., R$ 19,00.  

Aurora F. Bernardini é professora de pós-graduação em Teoria Literária e Literatura Comparada da USP 

     

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