ELEGIA CEARENSE
       

          Artur Eduardo Benevides

    1
    Longo é o estio.
    Longos os caminhos para os pés dos homens.
    Longo o silêncio sobre os campos. Longo
    o olhar que ama o que perdeu.
    Já não vêm as auroras no bico das aves
    nem se ouve a canção de amor
    dos tangerinos.
    A morte nos abóia. Exaustos, resistimos.
    Se acaso caímos os nossos dedos
    começam a replantar a rosa da esperança.
    Ai Ceará
    teu nome está em nós como um sinal
    de sangue, sonho e sol.
    Chão de lírios e espadas flamejantes,
    território que Deus arranca dos demônios,
    mulher dos andarilhos, dálida da canícula,
    em nós tu mil rorejas. Pousas. És canção.
     

    2.
    Para cantar-te me banho em tua memória
    e ouço a voz enternecida
    diante de esfinges soluçando.
    Oh! ver-te apunhalada — e o sol
    roubando tua frágil adolescência
    e ponto em tua face o esgar
    de quem se sente, súbito, perdido.
    Teus pobres rios secam
    os galhos perdem os frutos
    as aves bicam o céu
    fogem as nuvens.
    Então ficamos escravizados
    à tua sede austera, ao teu desejo
    de um dia seres bela igual às noivas
    que se casam no fim dos teus invernos.
    Triste é ver as crianças finando-se nos braços
    de mães alucinadas que vendo-as à morte
    inda cantam de amor canções do tempo antigo.
    E ficas desesperada vendo os filhos
    ao longo das estradas onde há pouco
    trabalhadores cantavam ao entardecer.
    Mudas a voz, então: és cantochão
    és réquiem crescendo à sombra dos degredos
    és rouca como presos que murmuram
    palavras dos dias em que foram
    jovens e felizes.
    Para cantar-te, Bem-Amada telúrica,
    seria feliz se vez de vãs palavras
    tivesse em minha boca chuvas e sementes.
    Ai, viúva do inverno, flor violentada,
    teu sol não brilha: queima. Mas um luar
    renasce sempre no olhar
    dos homens.
    Ó grande olhar de pedra, sede e solstício:
    te dessem um novo reino e nunca aceitarias!
     
     
     

    4.
    Belos são os teus frutos porque difíceis.
    Em cada sepultura nasce uma rosa.
    Em cada filho teu o amor é como o inverno.
    Jamais tu morrerás. Não seríamos fortes
    se por ti não estivéssemos em vigílias cruéis, ó mãe!
    Mas se as chuvas te querem
    como louco partimos
    para o amanho da terra.
    Os campos então ficam maduros
    qual ventre de mulher,
    e as bocas
    — tranqüilas e felizes —
    gritam
    palavras de amor
    que erguem
    primaveras.
     


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