Alberto da Costa e Silva

Dezembro, em Bogotá
 
 
Limpas a mão
nas flores

e ris
para o escondido.

Estás sentado na grama,
a resvalar
para a terra dos canteiros,
atento ao grilo e à cigarra,
quase intocado
pelo passar 
do sol,

do sol que arranca 
as sombras
que se veriam
imóveis
(assim a calmaria 
do linho nos varais),
se
da vida
não germinasse
a eternidade.

Tua mão
limpa
as pétalas
das flores.
Faz-se mais puro o mundo
com teu corpo.

Por ser belo viver
(e é belo ser breve),
o efêmero, Antônio
Pedro, não desmente
que as nuvens mudam o céu,
que a lua apaga
a lua anterior
e que a semente
é apenas
o adeus do que foi fruto
— do que foi fruto, mas breve
para sempre.

Se se pudesse passar de uma infância a outra infância
o sonho e a paisagem,
sagüis e caxinguelês
a limparem no rosto as mãozinhas, coelhos
a roer a alface
e, leve
no roçar da relva,
como se caminhasse
sobre as flores e as folhas
que flutuam nas águas,
azul, a saracura
de canarana, os pombos
e os marrecos voltariam
ao chão em que te ponho

e que foi a paisagem
do menino escondido
no olhar do teu sonho.

 

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Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  30  de  Agosto  de  1998