Alberto da Costa e Silva

A Viagem dos Reis
 
                                             a Antônio Carlos Villaça
 
—  Conheço o verde e as águas, as narinas
frementes dos coelhos, os caminhos
ladeados de flores, e as formas
do arco e da espora. Vi parirem
as vacas e as mulheres. Pressenti
as grandes tempestades de poeira.
Sei como respira o mundo. Sei de mim.
Ando atrás de uma espera.

(Dos caminhos, vinham os reis. Alguns tão pobres
que andavam nus, toucados de plumagens.
Alguns vestiam a pele da pantera.
Alguns, a seda. Alguns, a musselina.
Andavam a pé, e descalços. Ou montavam
cavalos e camelos.

E traziam
o ouro em pó,
o ovo da avestruz,
o couro do lagarto,
um crânio tatuado, tantas caixas
de cobre e laca,
e a feroz esperança,
como dádivas.)
 

— Não houve entrega. As mãos
se empobreceram.
(No alto da gruta, a estrela ainda parava.
Um boi se ausentava, ruminando.
Havia ainda brasas, quando soprada a cinza.)
— Faltou-nos meia hora, ou pouco mais: o tempo
de arrear um burrico, ou muito menos.

Éramos todos, mas jamais chegamos.
Pois nos foi poupado
ver o Menino.

 

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Página editada por  Alisson de Castro,  Jornal de Poesia,  28  de  Agosto  de  1998