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ALBERTO DA CUNHA MELO
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Bio-bibliografia

Alberto da Cunha Melo (José Alberto Tavares da Cunha Melo) nascido em Jaboatão, Pernambuco, pertence à Geração 65 de poetas pernambucanos. Como Sociólogo atuou durante onze anos na Fundação Joaquim Nabuco. Jornalista, foi editor do Commercio Cultural do Jornal do Commercio, e da revista Pasárgada. Foi colaborar da coluna Arte pela Arte, do Jornal da Tarde, SP, e mantém a coluna Marco Zero, na revista Continente Multicultural

Foi Vice-Presidente da União Brasileira de Escritores em Pernambuco, na sua primeira gestão. Por duas vezes Diretor de Assuntos Culturais da FUNDARPE e, recentemente foi um dos indicados para o Prêmio Nacional Jorge Amado (2002). 

Sua poesia não se rendeu ao charme das vanguardas e encontrou no metro octossilábico (308 poemas, 4900 versos, em cinco livros já publicados) , o  mais raro em Língua Portuguesa, a melhor melodia para o seu canto fraterno, e ”sua lição de dor que se faz beleza e arranca de si forças para construir uma poesia cujo nome secreto é – resistência.” (Alfredo Bosi, no prefácio do livro Yacala). 

Em 2001, foi incluído nas antologias: Os cem melhores poetas brasileiros do século XX, Geração Editorial, SP, e 100 anos de poesia. Um panorama do poesia brasileira no século XX.

Em dezembro de 2002, publicou seu 12º título de poesia, Meditação sob os Lajedos.

 

Obras Publicadas

 

1966 -  Círculo Cósmico - Separata da revista Estudos Universitários, da UFPE - Recife - PE.

1967 -  Oração pelo Poema - Separata da revista Estudos Universitários, da UFPE - Recife - PE

1974  -  Publicação do Corpo - in Quíntuplo - Ed. Aquário - Recife -     PE.

1978 - Planejamento Sociológico- (em co-autoria com o sociólogo Roberto Aguiar) - ed.                        Massangana - Recife - PE

1979  -  Dez Poemas Políticos - Ed. Pirata - Recife - PE

1979  -  Noticiário - Ed. Pirata - Recife - PE

1981  - Poemas à Mão Livre - Ed. Pirata - Recife - PE

1983  -  Soma dos Sumos  -  José Olympio Editora\ Fundarpe - São Paulo - SP

1989  -  Poemas Anteriores - Ed. Bagaço - Recife - PE

1992  - Clau - Ed. Universitária (UFRPE) - Recife - PE

1996  - Carne de Terceira com Poemas à Mão Livre - Ed. Bagaço - Recife - PE

1999    -  Yacala - Ed. Gráfica Olinda - Recife - PE

2000    - Yacala - (edição fac-similar)  Ed. da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Natal – RN

2001    – Um Certo Louro do Pajeú (Reportagem)– EDFURN – Natal – RN.

2002    -  Um Certo Jó– Edições Uzyna Cultural – Recife – PE. 

2002 - Meditação sob os Lajedos - EDFURN/Bagaço - Natal/Recife - RN/PE

 

Poesia
  1. Canto dos Emigrantes - poema selecionado para a antologia Os cem melhores poetas brasileiros do século XX - Geração Editorial - SP - 2001.
  2.  
  3. Formas de Abençoar - (inédito em livro).
  4.  
  5. Dual - do livro Carne de Terceira com Poemas a Mão Livre.

 


Fortuna crítica

Depoimentos sobre a poesia de Alberto da Cunha Melo

"O Nordeste nos dá, mais uma vez, depois do paraibano Augusto dos Anjos (presente de modo subliminar na atmosfera de várias passagens de Yacala), do alagoano Jorge de Lima e dos pernambucanos Carlos Pena Filho e João Cabral, a sua lição de dor que se faz beleza e arranca de si forças para construir uma poesia como a de Alberto da Cunha Melo, cujo nome secreto é – resistência." (Alfredo Bosi - prefácio do livro Yacala)

"(...)  desta vez, num longo poema narrativo (ou, de outro ângulo, numa alentada alegoria dramática), Cunha Melo amplia a lição cabralina, resumindo e expandindo sua própria arte a ponto de tornar irrefutável sua definitiva presença entre os grandes de nossa lírica. A linguagem pungente e específica, tão concreta quanto alusiva e simbólica - leia-se: o idioma servido sem complexidades ornamentais, aquele que em momento algum faz um dialeto de si mesmo - foi desde sempre a marca registrada deste maggior fabbro  à inglesa, de timbre telúrico e fôlego metafísico à maneira (e à altura) de um Herbert, um Donne, ou um Hill hoje." (Bruno Tolentino, revista Bravo, outubro de 1999, sobre o livro Yacala)   

"Dessa forma, Alberto da Cunha Melo cultivou com obsessão o octossílabo, mais do que o fizeram juntos todos os poetas da língua portuguesa (incluindo Cabral e Pessoa) e realizou, junto com Carlos Drummond de Andrade e, quiçá o próprio Cabral, a poesia política mais autêntica do Brasil, e, quase unicamente, a mais bem sucedida e original poesia fundada em ciência econômica da língua portuguesa." (Mário Hélio, Recife, PE, 1989 - posfácio do livro Poemas Anteriores)

 

"(...) Inventando uma forma fixa, Alberto da Cunha Melo ingressou em um fechadíssimo clube de poetas, entre os quais se sobressaem Giacomo da Lentino, inventor do soneto, e Arnaut Daniel, criador da sextina." (César Leal, Diário de Pernambuco - Recife - PE,  13.07.1998 - sobre o livro Carne de Terceira)

"Épico de fôlego longo, o poema remexe nos esgotos da vida real brasileira sem fazer uma concessão, por mínima que seja, ao facilitário das fórmulas populistas." (José Nêumanne, Jornal da Tarde, São Paulo - SP, 07.08.1999 - sobre o livro Yacala).

"Apesar do lirismo confessional e amoroso, nunca lhe falta a seminal atitude irônica e crítica, vezes amarga e corrosiva, que o faz um dos poetas mais densos da poesia brasileira contemporânea." (Hildeberto Barbosa Filho, O Norte, João Pessoa - PB,  02.04.2000 - sobre o livro Clau)

" ... a sua obra posterior (...) não apenas reafirma as suas preocupações formais como o coloca entre os grandes nomes da poesia brasileira da segunda metade do séc. XX." (Anco Márcio Tenório Vieira in Biblos. Enciclopédia VERBO das Literaturas de Língua Portuguesa. Lisboa/São Paulo. Editora Verbo, 1999.)

"(...)  desta vez, num longo poema narrativo (ou, de outro ângulo, numa alentada alegoria dramática), Cunha Melo amplia a lição cabralina, resumindo e expandindo sua própria arte a ponto de tornar irrefutável sua definitiva presença entre os grandes de nossa lírica. A linguagem pungente e específica, tão concreta quanto alusiva e simbólica - leia-se: o idioma servido sem complexidades ornamentais, aquele que em momento algum faz um dialeto de si mesmo - foi desde sempre a marca registrada deste maggior fabbro  à inglesa, de timbre telúrico e fôlego metafísico à maneira (e à altura) de um Herbert, um Donne, ou um Hill hoje." (Bruno Tolentino, revista Bravo, outubro de 1999, sobre o livro Yacala)   

Sobre o mais recente livro publicado, Meditação sob os Lajedos:

Poesia filosófica de Alberto da Cunha Melo

Mário Hélio

Meditação Sob os Lajedos. Este é o título do livro que Alberto Cunha Melo lança, amanhã, às 19h, na sede da União Brasileira de Escritores, em Casa Forte. Uma obra em que o desencanto e a melancolia estão levados à quintessência.

  Seria essa meditação sob os lajedos uma equivalente metafísica de A Educação Pela Pedra? Longe disso. Mesmo considerando os bons influxos da arte poética, que foram recebidos do seu pai, na infância, e, na idade adulta, de autores do porte de João Cabral, a sua poesia é das mais intensamente pessoais do País, em qualquer época.

  Não está a sua meditação centrada nos objetos, mas nos sujeitos. Não há na poesia brasileira da atualidade um poeta com a sua força retórica ou que melhor se aproxime de uma autêntica vocação para que, à falta de melhor expressão, se chama de poesia filosófica, ou, como diz Pessoa, animada pela filosofia. Não uma filosofia aprendida em livros, mas de observar a existência dos homens. Daí a concentração explicitamente ética das suas composições.

  Entretanto, não há como separar o ético do geômetra que há no poeta. Ou melhor, do agrimensor, talvez o mais sólido e agônico da moderna poesia de língua portuguesa. É a partir do senso de medida (no caso do agrimensor, um geômetra da terra), que se pode compreender melhor de que modo se orienta o trabalho de Alberto Cunha Melo como jornalista e sociólogo que espelham o poeta. É a sua uma poesia engajada, mas liberta do panfleto em que facilmente degenera quem se ocupa com a denúncia das injustiças sociais. Mesmo considerando a substância fundamente alegórica das personagens dos seus livros e o intenso desamparado a que estão relegados, seria apressado vinculá-lo ao misticismo ou à metafísica dos antigos. O seu humor carregado de amargura livra-o disso.

  Se há metafísica é aquela metafísica involuntária que por vezes flagra-se numa ironia de homem do povo ou expressão despreocupada de criança. Não se deve subestimar a importância da palavra "meditação" que titula o seu livro. Os poemas são um longo cismar sobre cousas e lousas que chamaram a atenção do poeta e que puderam ser traduzidos na essência física do poema. Sim, acertadamente, é poesia de "pensamento", com evidente contraposição ao sentir desregrado, a simples transcrição de subjetividades. Uma poesia-pensamento assim construída revela uma intensificação da subjetividade, e não o contrário. Daí, sendo o autor sociólogo e tendo os seus poemas muito de uma temática que interessaria à sociologia, a sua força reside na psicologia, no modo como ele entranha a dor concreta do sujeito na essência das coisas. Desse modo, é, com perdão da expressão, uma espécie de descosmificação o que ele produz.

  

ASTERÓIDE KAFKA - Poesia profundamente solidária e comovida com a dor dos homens, não é o círculo cósmico abstrato ou mineral das estrelas o que ele move, mas o da humanidade. Daí um dos seus asteróides ter batizado de Franz Kafka, uma das suas mais inteiras e ainda não investigadas influências literárias.

  O poeta é um agrimensor das consciências e das coisas urbanas. Talvez o poeta mais autenticamente urbano da sua geração. O lajedo do seu título é uma boa metáfora para uma investigação funda até o esgotamento, camada sob camada.

  No entanto, apesar do caráter de medida que orienta o seu livro, deve-se evitar o exagero de valorizar a sua poética pela formalização. Seja pela combinação de quartetos, dísticos e terceto que agora é a sua fôrma preferida, seja pelas quadras octossilábicas que predominaram antes. Não é Alberto Cunha Melo um parnasiano preocupado com lavores de joalheiro ou consoantes de apoio, mas um poeta atento às essências e medulas da linguagem. Portanto, o que importa mais nele é a substância, e não as rimas (que talvez contribuam para afrouxar uma boa forma). No plano também da expressão, o melhor não é quando o aforismo cola-se fácil na memória como um dito, mas quando mais deve à severidade e à consciência das coisas de uma poesia menos preocupada em acariciar o leitor com pedras de toque e mais a atacá-lo como num assalto, um golpe.

  A poesia nunca se libertou de uma certa vocação para jogo de salão quando se aburguesou. Mas na sua origem tinha mais a ver com a magia e os hinos encantatórios (incluindo esconjuros e maldições) que algo para embalar a platéia. Era mais catarse do que consolo. Isso tudo foi há muito tempo e não passa se ilusão suprema imaginar que a poesia de hoje seja herdada de Homero, Ésquilo, Safo e muitos outros imbuídos não só de uma oralidade profunda que o homem de hoje está longe de compreender, mas a própria função da poesia. Leopardi julgava que o poeta não pode ser contemporâneo:

  "Tenha-se em conta de que os antigos escreviam poesia para o povo, ou ao menos para gente em sua maior parte nem douta nem filósofa. Os modernos, ao contrário; porque os poetas de hoje em dia não têm outros leitores mais que a gente culta e instruída, e, quando se diz que este deve ser contemporâneo, se pretende que o poeta se adapte à língua e às idéias desta gente, e não já à língua e às idéias do povo atual, o qual nem das atuais nem das antigas poesias sabe nada nem participa de modo algum."

PESSIMISMO - Dentro do mesmo raciocínio de Leopardi - mestre maior do pessimismo e da melancolia - não poderá sentir-se à vontade um poeta numa bolsa de valores ou num jornal. Este não é só o tempo dos assassinos, é dos impostores. Entre a literatura como retórica de salão que tanto faz o encanto dos grêmios literários de vários nomes e a tristeza agreste de Alberto Cunha Melo nada há em comum. Sabe ele que escrever poesia não é um caminho para a felicidade, e a própria leitura de livros realmente cheios de vida está longe de encontrar o éden, como disse bem Franz Kafka ao seu amigo Oscar Pollak, há quase um século:

  "Acho que só devemos ler a espécie de livros que nos ferem e trespassam. Se o livro que estamos lendo não nos acorda com uma pancada na cabeça, por que o estamos lendo? Porque nos faz felizes, como você escreve? Bom Deus, seríamos felizes precisamente se não tivéssemos livros e a espécie de livros que nos torna felizes é a espécie de livros que escreveríamos se a isso fôssemos obrigados. (...) Um livro tem que ser como um machado para quebrar o mar de gelo que há dentro de nós."

  É nesse último grupo de livros que deve ser incluído Meditação Sob os Lajedos. Quem não tiver ao menos uma fagulha de gravidade na alma que dê um passo atrás, e não adiante, como recomendou Lautréamont. Que procure a graça em textos cheios de retórica fácil, no poema-piada ou em versos sentimentais de vários níveis, que sempre haverá, mas que nada têm a ensinar de poesia ou inspiração verdadeira.

 

(Diário de Pernambuco - Recife, terça-feira, 10 de dezembro de 2002).

 

 

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CANTO DOS EMIGRANTES

 

Alberto da Cunha Melo

 

Com seus pássaros

ou a lembrança de seus pássaros,

com seus filhos             

ou a lembrança de seus filhos,

com seu povo

ou a lembrança de seu povo,

todos emigram.

 

De uma quadra a outra

do tempo,

de uma praia a outra

do Atlântico,

de uma serra a outra

das cordilheiras,

todos emigram.

 

Para o corpo de Berenice

ou o coração de Wall Street,

para o último templo

ou a primeira dose de tóxico, 

para dentro de si

ou para todos, para sempre

todos emigram.

 

 

 

 

 

                          FORMAS DE ABENÇOAR

Alberto da Cunha Melo

 

 

 

Fique aqui mesmo, morra antes

de mim, mas não vá para o mundo.

Repito: não vá para o mundo,

que o mundo tem gente, meu filho.

 

Por mais calado que você

seja, será crucificado.

Por mais sozinho que você

seja, será crucificado.

 

Há uma mentira por aí

chamada infância, você tem?

Mesmo sem a ter, vai pagar

essa viagem que não fez.

 

Grande, muito grande é a força

desta noite que vem de longe.

Somos treva, a vida é apenas

puro lampejo do carvão.

 

No início, todos o perdoam,

esperando que você cresça,

esperando que você cresça

para nunca mais perdoá-lo.

 


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DUAL

 

Alberto da Cunha Melo

 

 

 

 

Epígrafe um

 

“portanto meus irmãos, temos uma obrigação, que é a de não viver de acordo com a nossa natureza humana”. (Romanos, 8.12).

 

Epígrafe dois

 

“O homem que quisesse viver em sabedoria e paz deveria adaptar-se à augusta ordem dos fenômenos da natureza e viver na natureza com a natureza”.  (Lao-Tsé)

 

 

MORTO PELA SEGURANÇA

 

a hemorragia interna,

que enverniza por dentro,

inferniza por dentro

a palavra estado;

e pela insegurança

de comprar na esquina,

a estas horas da noite,

uma ampola de coramina;

 

 

MORTO POR ESPARTA

 

enquanto os negócios prosperam

e a terra enche-se de estranhos;

e por Atenas

a cometer o engano

de cantar tão longe

de seus arsenais;

 

 

MORTO PELO OCIDENTE

 

onde pôneis e jatos

só nos tomos da lei

conseguem chegar juntos

ao Banco Mundial;

e, pelo Oriente,

onde os bancos já chegaram;

 

 

MORTO PELO MUITO

 

o mais, o mosto,

o gás de uma montanha

de laranjas apodrecidas;

e pelo pouco,

o bago disputado

em soluços nos calabouços;

        

 

MORTO PELA PAZ

 

um branca de merda

com seus sete canhões

apontando meus laranjais;

e pela guerra que,

para destruir-nos,

não precisa estourar mais;

 

 

MORTO PELA TRISTEZA

 

esse modo de as margaridas

me pedirem socorro;

e pela alegria,

tão fora-da-lei:

camponesa na sala

do General-Comandante;

 

 

MORTO PELO TEMPORAL

 

ou seja:  o “se Deus quiser”,

o “volto amanhã”,

o “cuide dos meninos”;

e pelo eterno,

que não data as cartas,

atravessa ileso as eleições de

                                           novembro

e não toma conhaques contra o

                                             inverno;

 

 

MORTO PELA UNIDADE

 

que reúne

todos os alvos em um céu

e dá precisão ao meu tiro;

e pela multiplicidade,

que me parte em pedaços

fáceis de controlar

pelos deuses descalços;

 

 

MORTO PELO ESPÍRITO

 

mero gás que retorna

à garrafa de coca

e procura explodi-la;

e, pela matéria,

tão órfã de síntese

quanto as moças de vinte

depilando seus pêlos

nos subúrbios da ordem;

 

 

MORTO PELO RACIONAL

 

sob as medalhas dos técnicos

e as migalhas do povo;

e pelo intuitivo,

o imediato

e ingente sentir

não digital;

 

 

MORTO PELO SONHO

 

essa floresta afogada

nas folhas caídas;

e pela realidade,

onde os enfermos estouram

os tumores do visitantes;

 

 

MORTO PELO NECESSÁRIO

 

a condenação à luz

que enlouquece uma estrela;

e pelo acaso,

o tropeçar nos alarmes

e o esmagar as rãs

que circundam o cárcere;

 

       

MORTO PELO MAL

 

algo parecido

com carne liberada

ou Santa Tereza anunciando

maiôs Poésie na TV;

e, pelo bem,

algo mais metafísico,

mais Jesus de prata

escondido na blusa.

 

 

MORTO PELO LAR

 

que desaba todo dia

sem ninguém escutar;

e pelo bar,

onde o heroísmo se condensa

num laudo rotineiro

da polícia, ao passar;

 

 

MORTO PELA FÊMEA

 

que me pede um jantar

e uma boa lembrança

e talvez peça muito;

e, pela outra

que me pede a eternidade

e talvez peça nada;

 

 

MORTO PELA HONRA

 

quando as fezes dos pobres

ameaçam o fulgor

do brasão tumular;

e pela desonra

dos que mudam tarde,

quando os linchadores

ávidos não sabem

por onde começar;

 

 

MORTO PELA SOBRIEDADE

 

este assistir a seco

à própria extinção;

e pela embriaguez,

este banhar-se à noite

em doce uréia

ou receber sob o lençol

o coice de medeia;

 

 

MORTO PELA FALA

 

escada que sai da boca

e deixa subir os demônios;

e pelo silêncio,

inseticida queimando

no fundo do quarto

para afastar um remorso;

 

        

MORTO PELA NORMA

 

abutre que aqueço

à temperatura do corpo;

e pelo instinto,

bomba de efeito retardado

sob o monte antigo

de brinquedos de barro;

 

 

MORTO PELA VIRTUDE

 

essa tanga de velha

e desgastada platina;

e pelo pecado,

a notícia da única

e inexplicável

humildade de Deus;

 

 

MORTO PELO ÉTICO

 

mais Ártico pelos ursos

mais Antárticos

e pelo estético dos cursos

majestáticos;

 

                

MORTO PELOS MORTOS.

 

 

Entrei na revoada dos poetas por uma espécie de determinismo cultural. Meu pai, Benedito Cunha Melo, era algo como um decano dos poetas de Jaboatão-PE. Corriam para ele os candidatos a poeta, com seus sonetos imberbes. Ouvia, sem querer - e às vezes querendo - o velho a ler para os amigos na sala a obra de Cruz e Souza, sua maior admiração brasileira. Ouvia-o declamando sozinho, em voz alta, o "Navio Negreiro" de Castro Alves. Depois, no colégio, lá estava eu enturmado com colegas que gostavam de literatura. Fui, de certa forma, amamentado pela poesia, sugando esse leite envenenado pela angústia do infinito.

Alberto da Cunha Melo

(em entrevista ao jornal O Galo - Natal - RN - Janeiro/2000)

 

 

 

Alberto concluiu e publicou (ed. Pirata) Poemas à Mão Livre quando morávamos no Acre (1980); em 1996, ele foi republicado pela ed. Bagaço, no mesmo volume do inédito Carne de Terceira. As duas pequeníssimas edições estão esgotadas.

Sobre Alberto, encontram-se  verbetes no Dicionário Biobibliográfico de Poetas Pernambucanos (CEPE, Recife, 1993), na Enciclopédia VERBO das Literaturas de Língua Portuguesa. (ed. Verbo, Lisboa/São Paulo, 1999) e na Enciclopédia de Literatura Brasileira (Global Editora, São Paulo, 2001). 

 

 

 

 

ALBERTO DA CUNHA MELO
alberto8@hotline.com.br
 
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