Amândio César


Natal

Nasceu! Numa garagem abandonada, coberta de chapa de zinco, E num caixote velho de latas de óleo, Entre desperdícios sujos e usados. Nossa Senhora e S. José tinham vindo pela estrada Os pés no asfalto negro, onde circulavam carros de luxo: Pedir boléia, pediram, mas ninguém os viu ou quis ver, Ou escutar o gesto... Iam todos apressados para a ceia da noite, Desbragada como um conta-quilômetros E cheia de neblina e de promessas. Nasceu! Num caixote velho de latas de óleo, Entre desperdícios sujos e usados. O clarão dos holofotes chamou lã os vadios de todas as noites: Os quarda-noturnos, os polícias de giro, Os que não têm cama para dormir, Os poetas e os fugidos à lei — todos! — Todos os que naquela e nas outras noites Não têm para onde ir, nem têm onde comer. Foi, porém, o clarão dos holofotes gastos que os levou lá: E viram, sobre os desperdícios sujos, num caixote velho, O Redentor do mundo, Aquecido pelos dez cavalos-vapor de um velho "Ford T" Que, trabalhando, acordava a vida no arrabalde longínquo. S. José e Nossa Senhora choravam: Todos pediam no mundo a ressurreição do Cristo! E Ele viera, Ele encarnara de novo Através do ventre puríssimo da Virgem, Sob a custódia lirial do descendente de David. Os donos de carros de luxo cortavam o nevoeiro Comprometidos pelas amantes caras que ficavam para trás; As camionetas de transporte temeram a polícia das estradas E os outros todos também não quiseram dar boléia Ao Filho de Deus. (... )


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