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Jornal do Conto

 

 

Abilio Terra Junior


 

O encontro de colegas

 

Eu escrevia, apoiado no chão, enquanto em uma grande mesa, o pessoal conversava. Depois, eu me aproximei deles e, ao contrário do que imaginara, só havia um recipiente com um líquido claro no centro da mesa.

Havia uma pequena porta, que eu nunca notara, apertada e escondida, em uma rua movimentada do centro da cidade.

Entrando por ela, subindo uma escada em curva, chegava-se ao apartamento. Ali nos reunimos, aquele mesmo grupo, ou melhor, parte dele, que se formara na faculdade há décadas. Havia pequenos grupos conversando, aqui e ali, alguns sentados a uma mesa na sala, outros na copa, nos quartos, para todos os lados.

Eu havia saído e quando voltei ao centro, os vi entrando pela pequena porta e os acompanhei, estavam com pratos com comida e copos com bebida às mãos.

Gente que eu não via há anos. Sentei-me apoiado no braço da cadeira onde se sentara uma mulher atraente, morena e conversávamos com outras pessoas.

Quando saí, encontrei-me com Eurípedes, diretor de cinema, com aquele seu mesmo jeito enfatuado. Disse a ele que na faculdade nossos sonhos foram alimentados “com gasolina e fogo”, de lá saíramos entusiasmados. E depois? Como aplicar nossos conhecimentos? Culpa de quem? Do Estado, que nos cortara as expectativas, abruptamente. Ele citou o caso do casal, nossos colegas anfitriões, que vivia naquele apartamento onde estivéramos. Parecia, a primeira vista, uma situação cômoda, pois o apartamento pertencia ao IXWS, onde ambos trabalhavam. Mas aquelas bebedeiras constantes com os amigos, que ali sempre surgiam, não era nada conveniente, ele comentou.
Havia desfile de soldados a cavalo, paramentados, que nos dificultava o caminhar pelas ruas do centro.

Voltando à festa, um dos colegas, gordinho e calvo, se aproximou da citada colega atraente e a beijou. Ela sorriu, em resposta. Pensei, cá comigo, que a festa ia se transformar em uma grande bacanal; penso que outros também imaginaram o mesmo.

Comentávamos que uma grande empresa estrangeira havia controlado o IXWS e que aquele apartamento deixava a desejar, principalmente se considerado o longo tempo de trabalho dedicado à empresa por esse casal que nos recebia.

Eu me lembrei, então, que estava, naqueles dias, sozinho em minha casa e que não dera comida à nossa cachorrinha. E o tempo estava passando, ela devia estar com bastante fome.

Conversava, agora, com duas colegas, uma delas menor e mais bonita e lhes dizia que estava morando com os meus pais. Esforçava-me para me lembrar do que estava fazendo, em termos de trabalho, mas não conseguia. Ela se mostrava bastante sensível e, cá para mim mesmo, entendi que estava interessada em me namorar.

Nós, contra o grande Estado, a grande empresa estrangeira, só podíamos mesmo perder, como perdemos, de fato. Nossos sonhos e ideais se foram para sempre e ali estávamos naquele apartamento, nos lembrando daqueles gloriosos tempos que nunca mais voltariam, antes do rude embate com a realidade.