Antônio Augusto de Mendonça


Saudade no sepulcro

Sobre um sepulcro isolado Roxa saudade vi eu; Solitária vicejava No chão frio em que nasceu; Nunca saudade tão triste Em sonhos me apareceu ... Nunca!... Senti então pelo rosto Turva lágrima sentida Deslizar. Foi à hora do sol-posto. Hora de muito cismar! Quando o arcanjo da poesia Harmoniza o céu com a terra Na mesma melancolia... Na mesma doce tristeza, Que, às vezes, nos faz chorar, E chorar a natureza Ao lento morrer do dia! Cheguei... beijei a saudade, Que, assim, tão erma encontrei; Com ela simpatizei; Porque — da minha orfandade Neste deserto profundo, Pobre enjeitado do mundo, Só com saudades me achei! Estranha, viva agonia Ressumbrava-lhe na cor; Na muda expressão dizia Tantas penas, tanta dor, Que só no reino da morte Duma lágrima podia Ter nascido aquela flor... A saudade!... Emblema de muito amor!... Poeta às dores afeito, Tentei debalde arrancá-la, Para no fundo do peito, Como um tesouro, plantá-la. Debalde! ... porque a infeliz Tinha encravada, segura No fundo da sepultura A desgraçada raiz! Ah! quem soubera o destino Daquela flor merencória! Quem a sua ignota história Porventura escutará? Quem?... se a flor misteriosa, No seu recinto funéreo, Muda, como o cemitério, Para todos sempre está? Quem sabe! ... talvez que à triste, Que no sepulcro descansa, Dentre as sombras do futuro Lhe sorria uma esperança Talvez!... Quem adivinha se a brisa, Que docemente a embalança, Não lhe vai de amor falar? Se o sol... se o sol ao deixá-la, Não lhe deixa em despedida Num raio um germe de vida, Saudoso de a não levar? Se ardente, extremoso afeto, Se estremecida paixão Que já no peito não cabe, Por indizível feitiço, Não lhe dá alento e viço Com o sangue do coração? Quem sabe!... ............................................ Sei que a mísera saudade, Quando no feio horizonte Feia surge a tempestade; E da cúpula do céu Nem sol, nem tímida estrela, Através do espesso véu, Despede um raio de luz; Sei que a mísera saudade, Porque o vento a não desfolhe, Nem as pétalas lhe açoite, Encosta-se — ou dia ou noite — Nos braços de sua cruz.


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