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Atualizado em: 8.11.2000
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Manoel Ricardo de Lima
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De Curitiba
Um outro ipê

Manoel Ricardo de Lima
Articulista do Vida & Arte

Marcelo Sandmann dialoga com a poesia de Leminski e a síntese prosaica de Dalton Trevisan em seu livro "Lírico Renitente". Avesso à verborragia que assola a produção poética contemporânea, Sandmann revira as vísceras da palavra. Que o leitor não espere amenidades.

Algumas coisas são ditas sobre e a partir da cidade de Curitiba: do frio forte, às vezes bom, ao ressaibo amargo ou doce deixado por heranças de uma tradição literária que bem pode resvalar em Dalton Trevisan ou, por último, em Paulo Leminski. Ouve-se por lá que depois da morte deste último a cidade ficou tombada por cerca de suas quase duas mil viúvas. O que soa como anedota muito sem graça devido ao despreparo de entendimento da obra de Leminski que, sem nenhuma dúvida, foi uma das mais inquietas construções em prosa, poesia e crítica dos últimos 25 anos neste País.

Para mais adiante, muito se vê da literatura feita em Curitiba, ou pelo Estado do Paraná, em um dueto de plágio ou cópia do que Dalton e Leminski têm. Ou como ter a conversa amarga, de uma certa e precária bobagem de estar fora de um eixo imaginário - Rio e São Paulo - e por conta disso bater-se em um discurso amorfo e envelhecido: ser contra ou a favor do movimento da Poesia Concreta, década de 50. Discurso que também e muito estranhamente a própria cidade de São Paulo ainda se envolve e, se não me engana a percepção, ainda boa parcela de toda a produção de poesia no Brasil.

Uma pena. Porque ao que me parece, e tenho quase certeza disso, todo o sentido de uma discussão literária que passe pela produção de diálogo, desde a produção de revistas a edição de livros, deveria minimamente procurar apontar em outra direção: para frente, para o que ainda se pode fazer, construir, erguer, estabelecer como voz e linguagem. E, ao que me parece, esta discussão é de fato notoriamente envelhecida.

Pensando assim nada melhor quando algo dá conta de estar, serenamente, apontando um caminho que perpassa a estreiteza da atual poesia brasileira e que, por mais inserido que seja em seu próprio lugar de partida, está lá, quieto e em quase silêncio, dizendo que há mais coisas a se fazer, há mais outra coisa a se pensar e produzir em matéria de poesia. Falo do primeiro livro de poemas do curitibano Marcelo Sandmann, Lírico Renitente, editora 7 Letras. Marcelo é professor de Literatura Portuguesa da UFPR e autor de boas canções em seu disco Canto de Palavra, uma produção independente.

Pequenos 30 poemas, quase relaxos sérios, como bem diria Leminski, e que estão lá, sim, claro, dialogando com o trabalho deste mesmo Leminski, em dois poemas mais diretamente - Leminskiana e Sol Japonês - e indiretamente em outros poemas do livro. E também com Dalton, em uma pequena série de três poemas - Daltonianas - e também em outros versos, pequenos abruptos cortes de estremecer corpo, como em uma outra série de sete pequenos poemas que chama muito atenção em todo o livro, Axiais.

E o que poderia parecer um velho reescrever, sem deixar de ser isso, é a dicção do próprio Marcelo que aponta que sua poesia não é mera repetição ou enfado, mas sim uma procura disposta de fazer a conversa andar para a frente: diálogo em tempo contínuo, nada estático, amorfo ou tomado como se por uma viuvez precoce destas vozes dissonantes na literatura brasileira que ressoam de entre os ipês floridos da encantadora Curitiba.

Poemas como o sem título que abre o livro - ``concisão de luz/ lâmina precisa/ claustro o corpo/ o fôlego/ sílaba exígua:/ exposição de vísceras'' - denotam logo, de cara, o que Marcelo determina com sua poesia: uma poesia que seja feita, palavra a palavra, com sentido e jeito de corpo, de vísceras, que faça falar sinteticamente ocupando espaço vazio, deixado por uma falta em dizer, contida, da medida exata que a palavra tem.

O livro parece querer ir ao dentro de cada um que pensa poesia neste País para fazer, sem nenhum estardalhaço, um desvio nesta dissolução renitente da palavra ou neste emaranhar-se em verborragia rala, rasteira, da politiqueira e demagógica safra ruim da poesia brasileira. Um lírico, às avessas, mas um lírico que diminui seu poema acrescentando grandeza a ele quando pergunta em seu último poema do livro: ``Quanto tempo dura um poema?'', pergunta que durante um talvez nos faça lembrar de velhos versos que perguntam: ``Por quanto tempo vive o homem? / Por quanto tempo morre o homem?'' Perguntas, todas, que podem incitar mais seriedade, menos rancor, mais abertura, mais diálogo, mais critério, mais profundidade, mais pensamento.

É esta preguiça insone de pensar, é isto de não querer criar algo que possa ir adiante, algo que possa estar revigorando a palavra, trazendo-a para perto de cada um e, mais ainda, para perto de cada outro, que impede percurso, conversa. Onde o outro dentro da poesia brasileira? Marcelo indica: ``torcer/ este silêncio/ aflito/ até que um grito/ caia/ sem sentidos''. Talvez seja isso mesmo. Mas é bom saber de uma outra voz, e se vinda de Curitiba, uma voz de outro ipê, rangendo leve suas mais que novíssimas flores amarelas.

Lírico Renitente - Poemas de Marcelo Sandmann. Editora 7 Letras, R$ 15,00
[Jornal O Povo, FORTALEZA, SEGUNDA, 23/10/2000]

 
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