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J O R N A L   D E   P O E S I A   |   F O R T A L E Z A l C E A R Á l B R A S I L
COORDENAÇÃO EDITORIAL   |   SOARES FEITOSA | FLORIANO MARTINS
2000-2010
 

 

 

BANDA LUSÓFONA | BRASIL

Sérgio Campos | (1941-1994)

Os fios encantados da poesia de Sérgio Campos

Floriano Martins

Somente a paixão é suficientemente cruel para nos trazer de volta à vida. Celebrá-la é dar-nos a ilusão de que podemos reconquistar os prazeres perdidos. A representação, neste sentido, tem o dom de nos reconduzir ao caos original, ao palco de trevas em que fundamos todos os deuses, à casa da ardilosa solidão que nos multiplica em seres doados aos mistérios vorazes do mundo. No pulsar cíclico das representações, na convulsiva ordem de seu canto, caminhamos ao encontro da poesia. Sempre a ilusão de retorno a um tempo que jamais viveremos. Reside aí uma paixão solene que nos leva às palavras, sem que através delas jamais alcancemos desvelar nosso destino. Um teatro sombrio do ser entregue às mãos da poesia. Esta encantação sutil e dolorosa é o que nos revela, em particular, a obra poética de Sérgio Campos.

Nascido em 1941, o brasileiro Sérgio Campos nos traduz a imagem de um poeta obstinado na criação como atividade reveladora do espírito. Rigor e substância encontram-se nele empenhados na leitura dos mínimos gestos que nos delimitam. Compromisso sólido, mas sobretudo uma paixão. Como ele próprio assegura: “Diria que a experiência com as palavras define o poeta. Ele precisa ter uma relação especial, única em relação a elas. Precisa delas como do próprio ar, de ouvi-las em busca de novos sons, poli-las, redescobrindo sob o azinhavre a legenda dos mitos, dispô-las em conjuntos para observar seus conflitos e conciliações, povoar delas seu pátio de utopias.”

O mais que se diga soará como uma sala de ecos. Os fios encantados da linguagem movimentam a usina de sentidos em que urdimos o cenário de nossa precária existência. A poesia é nosso prato de sonhos e também a lanterna perdida cuja luz sutil o acaso nos aponta. A grave contingência de tudo quanto idealizamos. Em um poema debruçado sobre a mítica górgona, Sérgio Campos assim desfia sua voz: “Nossas imagens oscilam / somos o risco de nos perder / entre homens deuses e animais”. A poesia é um inestimável amuleto em nosso trânsito incerto pelos reinos de Hades. Em outro poema nos revela uma imagem que é a própria súmula de sua poética: “Orfeu regendo os remos de Argos”. O poeta em seu ofício de sombras, erguendo com seu canto uma outra dimensão do abismo ulterior de que nos alimentamos.

Os poemas são movidos pela memória, são sua expressão coerente, constituem o fundamento do tempo que inauguramos a cada experiência, corpos de linguagem que são. Ruptura e integração: através de tais margens instauram uma consciência crítica, erguem a síntese de suas investigações. Sua razão sustenta-se em constantes interrogações. Não vivem da imagem encontrada, mas sim do abismo entre a origem e seu testemunho. O curso temático da poesia de Sérgio Campos, ao eleger como recursos uma predileção de ordem helênica e o que Ivan Junqueira tão bem situa como “delicada fiação de enredos que se diriam domésticos”, o faz acentuando esta fundação da palavra a partir da memória. Contudo, se o mundo verbal é, como em Góngora, uma negação do mundo real, aqui também se poderia falar em afirmação de uma realidade outra, enriquecida pela memória e o curso incessante de seus descobrimentos, como se dá na poesia do cubano José Kozer (1940). Além disto, Sérgio Campos prima por uma concisão verbal, sendo por tal concisão pautado seu esplendor. Para ele o excesso consiste em um exercício absoluto de economia de meios. Seu duplo curso temático instaura uma tensão que nos conduz a uma aventura de natureza ontológica. Se até Móbiles de sal (1991) essas duas vertentes temáticas apenas compartilham o curso existencial dos livros, experimentam em A cúpula e o rumor (1992) uma audaciosa e feliz comunhão. Mitologia doméstica - elogio crítico da casa e seus elementos, recantos e cintilações -, aliada a um ideário épico de exílios e conquistas: eis aqui sua lúcida jornada imaginário adentro, caminho que o aproxima cada vez mais do sentido essencial de uma religiosidade cósmica - fonte inaugural de toda poesia -, inseparável de uma exaustiva exigência de procedimentos, recursos, ordenações. San Juan de la Cruz, Hölderlin, Perse, José Ángel Valente - seus vigorosos companheiros de viagem.

A tendência helenizante aqui referida - cujo registro se faz sobremaneira com os recursos da parábola e da alegoria - torna-se singular na poética de Sérgio Campos exatamente por sua grande potência lírica. A presença quase constante de um narrador, e seus recontares a bordo de um abismo pessoal - o confessional só se realiza em seu transbordamento, em sua voragem -, destaca-se pelo lirismo inquietante com que tece sua trilha. O próprio poeta melhor situa tal virtude ao referir-se a ela como um “lirismo fabular”, aventura enriquecida ainda mais por sua paixão etimológica, seu notável empenho de restauração da dignidade da palavra, dever natural de todo grande poeta. Desta maneira, há que se por em destaque uma profunda arqueologia da forma - sem, contudo, sobrepor-se à sua alma gêmea: o conteúdo -, expressa em notáveis utilizações de sonetos, tercinas, sextinas, e com acentuada inclinação rítmica, cumprindo assim um desafiante percurso polarizado pelo classicismo e a modernidade. Trata-se portanto de uma poética de múltipla abrangência, cuja revelação em curso nos traduz um dos caminhos mais valiosos da poesia brasileira em todos os tempos.

Em permanente estado crítico, Sérgio Campos publicou em 1992 uma plaquette intitulada Ponto & contraponto, lugar de diálogo com um ensaio do espanhol Antonio José Trigo, configurando-se naquilo que o próprio autor denomina de “subsídios para uma poética”. Ali situa suas convicções e inquietudes, a opção “por uma poesia que incorpore elementos da modernidade, na dinâmica geral dos conteúdos, com extremo rigor formal”, a lembrança sempre necessária de “que a poesia é arte da palavra, que a palavra é o ser da poesia”, a primordialidade do tempo da leitura, a defesa de uma escritura poética de natureza ontológica que estabeleça uma projeção do humano, que o sublinhe como elemento fundante de toda poesia. Por tais e encantados fios conduz sua palavra.

Pouco antes de sua morte, em 1994, Sérgio Campos publicaria o livro Mar anterior. Poesia selecionada e revista 1984/94. Mais do que simples seleção de poemas de outros livros, aqui podemos falar de um livro outro, onde os poemas, além de revistos, apresentam nova disposição, atendendo aos temas que se mostraram, ao largo de dez anos de produção, mais entranhados em sua obra. Lendo agora Mar anterior confirma-se o que já havia assinalado anteriormente, ou seja, a incidência de uma epopéia íntima, como característica fundacional dessa poética. O próprio autor assim o comenta, em nossa correspondência pessoal: “realmente, o epos se coloca em in-tensão no poema que, no entanto, não é heróico, mas em essência lírico, o que lhe dá essa sensação de intimismo”.

 

 

O Projeto Editorial Banda Lusófona foi criado em janeiro de 2010, como complemento ao Projeto Editorial Banda Hispânica. Assim o Jornal de Poesia integra em sua plenitude a poesia de línguas portuguesa e espanhola. Aqui registraremos criação e reflexão, reunindo autores de distintas gerações e tendências, inclusive inéditos em termos de mercado editorial impresso. Aqueles poetas que desejem participar devem remeter à coordenação geral seus dados bibliográficos, seleção de 10 poemas e resposta ao seguinte questionário:

1. Quais são as tuas afinidades estéticas com outros poetas de língua portuguesa?
2. Quais são as contribuições essenciais que existem na poesia que se faz em teu país que deveriam ter repercussão ou reconhecimento internacional?
3. O que impede uma existência de relações mais estreitas entre os diversos países de língua portuguesa?

Todo este material deve ser encaminhado em um único arquivo em formato word, para o seguinte e-mail: agulha.floriano@gmail.com. Agradecemos também o envio de uma fotografia (jpg), assim como de textos críticos, livros de poesia e material jornalístico sobre o mesmo tema. O Projeto Editorial Banda Lusófona é uma fonte de informações que reflete, sobretudo, a ampla generosidade de todos aqueles que dele participam. O acesso a cada país deve ser feito através do selo correspondente.

 
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Cumplicidade expressa: Alfonso Peña, Camilo Prado, Eduardo Mosches, Gladys Mendía, José Ángel Leyva, Soares Feitosa e Socorro Nunes.
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