P R O J E T O   E D I T O R I A L   B A N D A   L U S Ó F O N A

 

 

J O R N A L   D E   P O E S I A   |   F O R T A L E Z A l C E A R Á l B R A S I L
COORDENAÇÃO EDITORIAL   |   SOARES FEITOSA | FLORIANO MARTINS
2000-2010
 

 

 

BANDA LUSÓFONA | BRASIL

Sebastião Cícero dos Guimarães Passos | (1867-1909)

A passagem de uma quimera: Sebastião Cícero dos Guimarães Passos

Lêdo Ivo

A fundação da Academia Brasileira de Letras, em 1897, foi iluminada pelo esplendor do Parnasianismo. Entre os seus fundadores figuram grandes artistas do verso, como Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia, e grandes artistas da prosa, como é o caso de Machado de Assis (também excelso artista do verso, com a sua ardilosa competência formal e emoção contida), Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e Coelho Neto. São todos eles integrantes de uma grande geração literária e política que, com a nitidez de seus talentos pessoais e o cunho específico de suas manifestações artísticas, se vinculava à doutrina vigente na época – uma doutrina em que a arte se convertia numa espécie de religião e impunha aos seus sequazes um compromisso com a durabilidade. Os sonetos marmóreos de Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia e a prosa em que Machado de Assis se esconde de si mesmo, e a si mesmo, num esplêndido processo de emascaramento pessoal, hão de simbolizar, para sempre, esse tempo ditoso da literatura brasileira, em que esta, após as explosões e efusões do Romantismo, exprimia o seu amadurecimento, dentro dos preceitos de um Parnasianismo e um Realismo regados pelas águas de incontáveis riachos obscuros.

É nesse cenário magnífico que o leitor de agora deve acolher o poeta alagoano Sebastião Cícero dos Guimarães Passos, nascido em Maceió, a 22 de março de 1867.

Hoje, transcorrido um século de criação da Academia Brasileira de Letras, ele é apenas um nome – ou menos que um nome. De tudo quanto escreveu, em verso e em prosa, com acentos tristonhos ou jocosos, havia restado um soneto, o popular “Teu lenço”, parada obrigatória nas antologias, até que essses preciosos escrínios deixaram de ser adotados nos colégios. Mas o leitor que se aproximar do grave e reflexivo “Guarda e passa” obterá a medida exata do seu talento, de sua capacidade formal e espelho de todos os sonhos que ele sonhou.

No dia 28 de janeiro de 1897, Guimarães Passos está presente à sétima e última reunião preparatória destinada à instalação da Academia Brasileira de Letras. É, assim, um dos seus fundadores. As cores do contraste realçam o império de uma hierarquia literária que, pelo que tenha de incômodo ou refutável – ou mesmo de arbitrária, dada a sua eventual infixidez –, não deve ser desprezada. E, ao redor dela, de seu caprichoso jogo de luzes e sombras, a ronda dos passantes literários inscritos na lista negra da posteridade ratifica a existência da literatura como um sistema – uma escola de esboroamentos e olvidos.

O poeta alagoano, que morreu em Paris, a 10 de setembro de 1909, e desapareceu com a sua morte, não pode e não deve ser colocado ao lado de Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira, a gloriosa tríade do nosso Parnasianismo. A sua estatura é bem mais modesta. O convívio acadêmico de que usufruiu tem a justificá-lo não só a aceitação e tolerância de que gozam os passageiros do mesmo barco da contemporaneidade, cercados de afetos e solidariedade geracional, como ainda a singularidade de sua condição.

Na escola que impunha aos seus senhores e vassalos a doutrina da impessoalidade e da durabilidade – e também de uma impassividade muita vez transgredida belamente – e exigia que eles fizessem poemas como quem esculpe e cinzela, conferindo-lhes a perduração das joias e estátuas, Guimarães Passos ficou a meio caminho. Os poemas e sonetos de Versos de um simples (1891) e Horas mortas (1901) quase nunca alcançam o páramo pétreo.

Decerto, quando menino, em Maceió, ele se lambuzou muito de açúcar e comeu muito doce de coco. A sua textura lírica aponta para as matérias moles e fofas, e, com o seu parnasianismo dulcificado, ele é quase um romântico retardado – um romântico que, sob a férula da nova escola triunfante, fosse obrigado a colocar os seus versos molengos e correntios, e até diáfanos, numa forma ou numa fôrma imponente ou hierática, assim como as dissimuladas ou austeras damas do Segundo Reinado colocavam os seios à Renoir na prisão dos espartilhos.

A esse propósito, vem a talho de foice a observação de Paulo Barreto ( João do Rio), seu sucessor na cadeira n° 26 da Academia. Em seu discurso de recepção, o grande prosador de Dentro da noite, que enriqueceu a nossa literatura com uma nota nova, assentada nos mistérios e errâncias das noites inconfessáveis, estabelece uma diferença entre a geração boêmia de Guimarães Passos e a sua própria geração. “Quem o substitui trocou sempre a quimera pela curiosidade, o entusiasmo pelo fato, o próprio sentimento pela sensualidade dos sentimentos alheios.” Para ele, Guimarães Passos, “o último romântico”, foi um ator, enquanto lhe cabia, a ele João do Rio, a condição de espectador – “o espectador incompleto dessa sociedade que se constitui”. E numa certeira identificação de si mesmo, considera-se “aquele que fixa tumultuariamente alguns aspectos do esplêndido espetáculo”.

O esplêndido espetáculo era a fervilhação e a renovação urbana do Rio de Janeiro no começo do século, com as avenidas que se abriam, os dias considerados vertiginosos, o vício e a graça unidos no mesmo segredo. A observação de João do Rio é sustentada pelo conceito estético da modernidade. O espectador de Os dias passam, com a sua prosa poética e nervosa concentrada nas torpitudes humanas da grande cidade, e a sua nova e insólita maneira de ver e de olhar, avulta na história literária brasileira como o nosso primeiro e primoroso voyeur; e ainda como o incansável e misterioso flâneur que, no conto “O bebê de tarlantana rosa”, revelou a modernidade perversa do Rio Janeiro, com o seu dia tornado noite pelo cinematógrafo e a sua noite equívoca povoada de pederastas, prostitutas e drogados – uma noite que, mesmo em sua moldura tropical, se afeiçoa às longas noites de Restif de la Bretonne, Baudelaire e Gerard de Nerval.

No novo ambiente cosmopolitizado que fustigava a boêmia literária, e sublinhava outros valores e condutas, não é de admirar-se que Guimarães Passos tenha sumido completamente, como fantasma de castelo inglês.

O perfil boêmio de Guimarães Passos suscitou largo anedotário, que, iniciado em sua vinda para o Rio, quando tinha vinte anos (o navio aportado em Maceió em que se encontrava, para despedir-se de amigos, se fizera ao largo sem que ele notasse), grassou até a sua morte, em Paris. E essa foi uma morte romântica: de poeta tuberculoso; uma morte na solidão de um quarto de hotel, após tanto rumor e efusão, e o riso suscitado por tantas peripécias miúdas. Mas, com o fluir dos dias, a torrente anedótica cessou. E vieram o silêncio e o esquecimento, anulando as ocorrências e figuras daquele tempo admirável, em que Machado, Rui, Joaquim Nabuco, Coelho Neto, Bilac e Raul Pompeia não se limitavam a ser grandes artistas literários, e eram também homens de jornal e de revistas, ao alcance do público, numa presença matinal como a do pão.

A edição das poesias de Guimarães Passos, promovida pela Academia Brasileira de Letras e estabelecida pelo filólogo e pesquisador Adriano da Gama Kury – que, com o seu plácido saber e empenho em buscar e descobrir o mínimo e o despercebido, tem algo de um microbiologista –, destina-se a devolver ao sol e à noite de hoje um poeta que, vivo, usufruiu de uma popularidade convizinha da glória. Um poeta que foi companheiro de Machado de Assis e Olavo Bilac – e, em parceria com este, publicou um Tratado de versificação e um Dicionário de rimas. Um poeta menor e secundário, seja, pronto a espelhar a sua dor bem doída e suas lágrimas nem sempre evaporadas. Mas há em sua menoridade e secundaridade uma emoção continuada, uma astúcia formal e uma singeleza e melancolia que enxotam do nosso espírito a gorda exigência estética e a exclusão desdenhosa. Há um certo encanto.

Ó tu, que turvas o palor da neve,

Tu, que as estrelas escureces, deixa

Meu coração dormir. Pisa de leve.

[Do livro O Ajudante de Mentiroso | © Lêdo Ivo, 2009 | Publicado pela Educam, Editora Universitária Candido Mendes | Reproduzido com autorização do Autor.]

 

O Projeto Editorial Banda Lusófona foi criado em janeiro de 2010, como complemento ao Projeto Editorial Banda Hispânica. Assim o Jornal de Poesia integra em sua plenitude a poesia de línguas portuguesa e espanhola. Aqui registraremos criação e reflexão, reunindo autores de distintas gerações e tendências, inclusive inéditos em termos de mercado editorial impresso. Aqueles poetas que desejem participar devem remeter à coordenação geral seus dados bibliográficos, seleção de 10 poemas e resposta ao seguinte questionário:

1. Quais são as tuas afinidades estéticas com outros poetas de língua portuguesa?
2. Quais são as contribuições essenciais que existem na poesia que se faz em teu país que deveriam ter repercussão ou reconhecimento internacional?
3. O que impede uma existência de relações mais estreitas entre os diversos países de língua portuguesa?

Todo este material deve ser encaminhado em um único arquivo em formato word, para o seguinte e-mail: agulha.floriano@gmail.com. Agradecemos também o envio de uma fotografia (jpg), assim como de textos críticos, livros de poesia e material jornalístico sobre o mesmo tema. O Projeto Editorial Banda Lusófona é uma fonte de informações que reflete, sobretudo, a ampla generosidade de todos aqueles que dele participam. O acesso a cada país deve ser feito através do selo correspondente.

 
JORNAL DE POESIA ACERVO GERAL BANDA LUSÓFONA EDIÇÕES CURURU

 

Jornal de Poesia (Brasil)

 

La Otra (México)

 

Matérika (Costa Rica)

 

Blanco Móvil (México)

 

Edições Nephelibata

 

Agulha - Revista de Cultura (Brasil)

 

 
Ficha Técnica

Projeto Editorial Banda Lusófona
Janeiro de 2010 | Fortaleza, Ceará - Brasil
Coordenação geral & concepção gráfica: Floriano Martins.
Direção geral do Jornal de Poesia: Soares Feitosa.
Projetos associados: Revista La Otra (México) | Ediciones Andrómeda (Costa Rica) | Revista Blanco Móvil (México) | Edições Nephelibata (Brasil).
Cumplicidade expressa: Alfonso Peña, Camilo Prado, Eduardo Mosches, Gladys Mendía, José Ángel Leyva, Soares Feitosa e Socorro Nunes.
Contatos:
Floriano Martins bandahispanica@gmail.com | floriano.agulha@gmail.com.
Soares Feitosa: soaresfeitosa@secrel.com.br | soaresfeitosa@uol.com.br.
Agradecemos a todos pela presença diversa e ampla difusão.