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2000-2010
 

 

 

BANDA LUSÓFONA | BRASIL

Roberto Piva | (1937-2010)

50 anos de rebelião poética em Roberto Piva ou poética anárquica, dionisíaca, blasfematória e criminosa

Ricardo Mattos

Poesia do ímpeto e do giro,
Da vertigem e da explosão,
Poesia dinâmica, sensacionista, silvando
Pela minha imaginação fora em torrentes de fogo,
Em grandes rios de chama, em grandes vulcões de lume.

Fernando Pessoa/Álvaro de Campos

Por onde passa a alucinação poética de Roberto Piva devassa. Seu pulsar em fúria ejacula desordem. As convenções sociais se prostram definhadas. Os deveres suicidam-se aturdidos. As autoridades masturbam-se convulsionadas. Os relógios ventilam e olhares sedentos devaneiam em rodopios maravilhados.

Reparei como a consciência se desequilibra no parapeito do Absurdo, enquanto a Razão amanhece jogada bêbada ao meio-fio.

No ritmo violento de seus versos, vagabundos, putas e pederastas copulam sorridentes. A juventude se excita. As palavras pululam em vertigens. O corpo convulsiona inebriado pelo aroma libertino que exala de seus poemas.

No qüinquagésimo ano da estréia de Piva, com sua “Ode a Fernando Pessoa” (1961), este ensaio celebra a sua vida.

Sua poética, qual meteoro incandescente desgovernado, ganha virilidade a cada ano, explode em gerações de novos poetas e transgressores nele inspirados, abre crateras no bom mocismo ainda predominante na poesia.

A publicação individual de estréia de Roberto Piva foi impressa em longa tira de papel – similar à forma de “Bomb”, de Gregory Corso, incluída na “remessa beat” que ele recebia tão logo era publicada em San Francisco. O poema era distribuído nos bares da cidade de São Paulo, tendo sido escrito no mesmo ano de sua participação na Antologia dos Novíssimos (Massao Ohno, 1961).

A Ode já abriga o germe da poesia piviana, com toda sua força subversiva e anárquica. Já aqui a poética da irresponsabilidade, das sensações em detrimento das obrigações. Apologia do ilegal. Poesia da orgia, cujo erotismo toma o poder de assalto. Blasfêmia, sarcasmo e ridicularização do mundo oficial. Poesia sustentada pela loucura e pelo delírio.

Já aí estão as primeiras grandes influências poéticas do transgressor, especialmente de Pessoa-Álvaro de Campos, Walt Whitman, Allen Ginsberg e Mário de Andrade. Saudar a Fernando Pessoa-Álvaro de Campos, como este saudou a Walt Whitman, saudado também por Allen Ginsberg e Garcia Lorca. Escrever uma ode ao mestre nessa forma literária. É delinear uma linhagem poética. É inserir-se em uma genealogia literária de ruptura.

A ruptura se inicia com a versificação.

Versos livres e longos. Ode a Fernando Pessoa à maneira das grandes odes de Álvaro Campos. Versos no ritmo voraz do pseudônimo que tomava o poeta lisboeto de assalto em acessos de possessão, de escrita febril, compulsiva e convulsiva. O virulento tremular da pena violenta, arrebentando em Pessoa um ente-de-letras incontrolável, impulsivo que destronava até seu próprio criador. Inventivas noites insones.

Contínuas expressões de exaltação: “Ó”. Freqüentes aparições do pronome de tratamento “tu” ou “ti”, de utilização literária e formal - escapando até uma expressão do português arcaico: “minh’alma”. Piva faz valer até dos constantes paralelismos nos inícios dos versos, ou no meio deles, com expressões iguais a de Campos em suas odes. Construção similar a “A passagem das horas”, “Ode marítima”, “Saudação a Walt Whitman”.

Poesia de ruptura, com raízes bem conhecidas. Barbas longas e livres do velho Whitman, com o vento da liberdade a soprar em seu corpo nu deitado sobre folhas de relva. Verso criado em estado de transe, a livre associação de idéias em pensamento veloz, com ritmo definido pelo pulsar do corpo e na medida da respiração.

Ouve-se também o Uivo e seus relatos entusiastas de situações subversivas, além de grande influência do Ginsberg de “América”. A oralidade da linguagem das ruas, as gírias, os impropérios, também marcam um vocabulário ultrajante com palavras libertas que vibram gesticulando malcriações.

Ora, a forma de Ode contrasta bastante com as experimentações narrativas características do conjunto da obra de Piva. Os versos fragmentados, entremeados de glossolalias em Piazzas, e, principalmente, a prosa poética sucedida de poesias em Coxas que cria uma “meta-ruptura” na relação espaço-tempo no âmbito da narrativa moderna. [1]

Contra as responsabilidades pelas sensações

No início do poema, Piva evoca o Campos da “vida triste passada em Lisboa”. O poeta decadente e pessimista, em seus despudorados balanços de vida, com todas suas vilezas e fracassos. São solilóquios loquazes em carne viva…. deixando as vísceras ali espalhadas no rés-do-chão, em qualquer vão, para todos verem. Esse Campos dos longos exames de consciência, beirando a culpa e despertando amiúde a piedade, não é o poeta apropriado por Piva, mas sim o poeta sensacionista: “Ó Mestre da plenitude da Vida cavalgada em Emoções”. A afirmação da vida sedenta, o pulular de sensações amorfas e desregradas, desesperadas pela aventura de evadir-se e transbordar-se no mundo. O fluir ininterrupto em meio ao desconhecido. Daí a fúria contra as amarras que procuram atenuar seu vôo. As convicções não devem durar mais que um estado de espírito. É a liberdade de vagar, sem idéias fixas: o vadiar descompromissado. Poesia do alto-mar.

Em lugar das convicções temos inquietações mais ou menos indeterminadas. Confusão, inexatidão, incerteza: “Sempre essa inquietação sem propósito, sem nexo, sem con- / [sequência] / Sempre, sempre, sempre / Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma”. [2]

A mesma frase apropriada por Piva na Ode: “Sei que não há horizontes para a minha inquietação sem nexo”.

A labilidade, a infindável busca pela intensidade das experiências. É a afirmação da vida contra toda forma de controle social. A sensação é antagonista da responsabilidade, deveres, obrigações e horários. Piva retoma este tema de diversas maneiras: “Alimentar o resto da vida com uma hora de loucura, mandar a merda todos os deveres”, ou mesmo em sua imagem de Campos como “o desengajado, o repentino, o livre”.

O entregar-se às emoções de maneira ininterrupta, mergulhado na torrente das sensações difusas, traz uma vontade megalomaníaca de fundir-se a tudo e a todos. A vivência do excesso: “Em mim e em Ti todos os ritmos da alma humana, todos os risos, todos os olhares, / todos os passos, os crimes, as fugas, Todos os êxtases sentidos de uma vez, / Todas as vidas vividas num minuto Completo e Eterno, / Eu e Tu, Toda a Vida!”.

A mesma busca desesperada observada em várias passagens de Campos, como por exemplo: “Sentir tudo de todas as maneiras, / Viver tudo de todos os lados, / Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo, / Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos / Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo”. [3]

O elemento do excesso é a fúria. Em sua Ode Marítima, Campos leva ao extremo essa violência em sua adoração aos piratas. Aqui a fúria se traduz em transgressão, criminalidade, facetas bastantes características da poética delinqüente de Piva, cuja erupção passa ao largo dos interditos e convenções sociais. O Álvaro de Campos de Piva é um “grande indisciplinador”, que fomenta a desobediência, cujo canto é de “libertação”: “Da Grande Vida de aventuras marítimas salpicada de crimes, / Da grande vida dos piratas, Césares do Mar Antigo”.

A figura do pirata ilustra bem a figura de sujeitos selvagens que vivem matando, roubando, torturando, proliferando uma série de crueldades. Os Césares com quem Campos perdeu a “noção de moral” e “civilidade”: “Ah, os piratas! Os piratas” / A ânsia do ilegal unido ao feroz / A ânsia das coisas absolutamente cruéis e abomináveis”. [4]

Piva encarna bem essa faceta futurista de Campos: “Amor feito a força com toda Terra. / bacanal em espuma e fúria”. Em ambos a virulência de uma poética sensacionista, irresponsável, embriagada pela ferocidade selvagem e vomitando atrocidades.

Vozes proibidas / vozes dos sexos e luxúrias

Se Piva caminha abraçado a Campos, este último também saúda e anda de “mãos dadas” com Whitman, esta “concubina fogosa do universo disperso”. É Campos quem se coloca na linhagem poética orgástica do autor de Folhas de Relva: “Pertenço a tua orgia báquica de sensações-em-liberdade”. [5]

De passagem podemos comentar que o diálogo com Whitman também se dá a partir de Ginsberg. Em “Supermercado da Califórnia”, o poeta estadunidense encontra seu “mestre da coragem” entre as prateleiras do mercado e indaga: “Aonde vamos, Walt Whitman? As portas se fecharão em uma hora. Que caminhos aponta sua barba esta noite?”. [6] A relação de Ginsberg com Whitman, que remete a uma genealogia poética e de vida subversiva, é parafraseada por Piva: “Fernando Pessoa, Grande Mestre, em que direção aponta tua loucura esta noite?”.

Assim, a Ode é uma constante conversa com Whitman. Sua barba prefigura aqui e ali, enroscando os fios nas páginas.

De Whitman, Piva compactua a poética como subversão do corpo, definição atribuída a Octávio Paz. É o corpo como turbilhão dos desejos, da sexualidade. Com Whitman, Ginsberg e Piva o homoerotismo alcança ares revolucionários. Veja as afirmações do poeta pederasta: “o coito anal derruba o capital” ou sua crença no “golpe de estado erótico”.

A Ode está recheada de orgias e bacanais, alusões ao sexo como expressão da liberdade. Numa sociedade moralista e crivada pelo “Suicídio do Corpo” imposto pelo cristianismo, segundo o próprio Piva, a liberdade sexual é bastante fronteiriça do proibido, do criminoso: “Amar livremente mulheres, adolescentes, desobedecer integralmente uma ordem por cumprir, numa orgia insaciável e insaciada de todos os propósitos-Sombra”.

O tom de Revolução Sexual que iria caracterizar a década de 1960 é aí antecipado. A expressão da homossexualidade também surge como transgressão: na “Carícia obscena que o rapazito de olheiras fez ao companheiro de classe e o professor não vê” ou mesmo no “amar os pederastas pelo simples prazer de traí-los depois” – aqui com possível alusão a Jean Genet. Poética erótica, imoral, na qual não há freios para o desejo que não cessa de não cessar. Poesia e Orgia.

Whitman e sua fusão com as pessoas comuns, personagens urbanos…. suas gírias, gestos, ofícios. Os marginais parecem ser seus prediletos: “Por mim passam vozes proibidas, / Vozes dos sexos e luxúrias…. vozes veladas, e eu removo o véu, / Vozes indecentes esclarecidas e transformadas por mim”. [7]

São putas, escravos, ladrões, deformados, desesperados e delinqüentes juvenis…. com os quais o poeta mantém fortes vínculos: “Nenhum pivete é preso por roubo sem que eu o acompanhe, e seja julgado e / condenado”. [8]

Este histórico encadeado à marginalidade, às figuras delinqüentes, escoa na Ode: “Resumirei para Ti a minha história: / Venho aos trambolhões pelos séculos, / Encarno todos os fora da lei e todos os desajustados, / Não existe um gangster juvenil preso por roubo e nenhum louco sexual que eu / não acompanhe para ser julgado e condenado”.

Piva leva a fusão da poesia com a marginalidade/criminalidade ao extremo. As famosas frases em entrevistas dão conta de que se a verdadeira poesia é transgressora, é fora da lei, também se liga a outras ações e personagens que constroem suas subjetividades em contínuo conflito com as convenções sociais.

O próprio Piva diz que gostaria de ser um “gangster”, mas, como não levava jeito para a coisa, passou a escrever poesia que é “uma forma de incentivar o gangsterismo”. De maneira mais direta comenta: “[há] um princípio básico para [se] entender a minha poesia, a palavra criminal. Uma poesia cuja transgressão aponta, em última instância, para o crime, e para a anarquia generalizada…”. [9] Chega a afirmar que o “Brasil precisa de poetas perseguidos pela polícia”!

Na Ode, o poeta gangster vivencia e poetiza diversas situações subversivas, muitas vezes com aberta alusão a atos delinqüentes. São crimes, fugas, assaltos, estupros, que lembram em muito a “ânsia do ilegal unido ao feroz” dos piratas de Campos. Veja os versos: “Agora, vem comigo ao Bar, e beberemos de tudo nunca passando pela caixa”, “assaltaremos o Fasano” ou “onde está a menina-moça violada por nós num dia de Chuva e Tédio”.

A atividade criminosa revela uma negação incondicional do mundo burguês, suas instituições sociais e moralidade castradora… Afirma a vida pulsante, o desejo imediato, a liberdade individual que se impõem com violência e intensidade. Uma poética anárquica que cospe violentamente o fogo da desordem.

Tal tom subversivo/criminoso tem ojeriza a qualquer forma de controle. Daí frases como “Põe-te daqui para fora, policiamento familiar da alma dos fortes: eu quero ser como um raio para vós!”. Já na Antologia dos Novíssimos Piva se colocava “contra os policiamentos interiores e exteriores”.

É certo que a poética do urbano, que caracterizará a São Paulo em “Paranóia” é normalmente atribuída à influência de Mário de Andrade (Paulicéia Desvairada) e Garcia Lorca (Poeta em New York). Porém, estes dois últimos poetas, é sempre bom lembrar, fazem referências diretas a Whitman em sua poesia ao ar livre.

Poesia arejada, impregnada dos burburinhos das grandes metrópoles. O estado de vida poético como a fusão da poesia e vida… como uma existência sempre em movimento, no turbilhão urbano caótico.

São Paulo: “nada de asas, nada de poesia, nada de alegria!”.  

Mário de Andrade, presença freqüente nos primeiros escritos de Piva. O Mário da Paulicéia Desvairada, que abre seu “guarda-chuva paradoxal” no Largo do Arouche e cria sinergia com os espaços e situações da cidade. Mário do insulto ao burguês, do conluio com poetas, moços e loucos que contrariam o puritanismo da cidade pragmática e triste: “nada de asas, nada de poesia, nada de alegria!”.  

A veia antropofágica de Piva no colorido das expressões populares, informais, de uma brasilidade que marcou o modernismo brasileiro: o “país alegremente Antropófago”; o “adolescente moreno empinando papagaios na América”, a batucada vinda do morro, enquanto ouvem bossa-nova deitados na palma da mão do Cristo…. o maxixe na Bahia com seus becos e porres. Como bem lembra Ricardo Rizzo, trata-se de um “ritmo prosódico de um Macunaíma”. [10]

Até hoje o poeta antropófago autografa seus livros com um carimbo do “gavião de penacho”, referência ao Manifesto da Poesia Pau-Brasil, de Oswald de Andrade – como se lê na entrevista à Marco Vasques. [11]

A cidade de São Paulo de Piva - apropriada pela frase de Mário sempre citada: “as luzes do Cambuci pelas noites de crime” - é toda a vida que se move no subterrâneo, nos interstícios, distante do controle social. Justifica tudo o que foi dito aqui sobre a transgressão como víscera da poesia piviana. A nomeação dos locais, parques, praças, ruas da cidade segue uma trilha aberta pela Paulicéia Desvairada. Porém, seu tom mordaz e pungente revela que se poetiza o que se vive. A cidade do poeta/transgressor é permeada pelas vielas, bares, becos, subúrbios. Nela os “vagabundos tenebrosos” encontram-se, numa hemoptise de personagens transgressores: os “descabelados com gestos de bailarinos”; as meninas que abandonam o sono das famílias; os adolescentes iletrados nos parques, as putas, os bêbados e todos os desconhecidos.

É o palco onde se encontram todas as pessoas indecentes: “Vamos percorrer as vielas do centro aos domingos quando toda a gente decente dorme, e só adolescentes bêbados e putas encontram-se na noite”.

Se ainda hoje tais versos soam sublevadores, o que dirá na época em que foram escritos. É Willer quem relata o espanto e repúdio com que as primeiras poesias de Piva foram recebidas pela provinciana cidade de São Paulo, uma cidade moralista, fechada, regrada, puritana. O espanto intercalado ao silêncio da imprensa, pois era impensável uma literatura excitada pelo erotismo, transpirando palavrões. Havia pouco, o Uivo de Ginsberg foi recolhido das prateleiras, o gerente da livraria preso e a obra perseguida em longo processo judicial

Na comemoração de seu quarto centenário, os paulistanos orgulhavam-se de seu Parque Industrial, de seu progresso, de seu futuro. É neste contexto que Piva constrói uma originalidade poética com grande toque de sarcasmo. Desfile de escárnios provocadores e chistosos. Todo o mundo oficial é francamente satirizado.

O pai do racionalismo tecnicista tem sua célebre frase ridicularizada em cômica paródia: “Descartes tomando banho-maria, penso logo minto, na cidade futura, / [industrial / e inútil”.

O humor elevado a categoria de sátira, goza das autoridades, instituições e situações convencionais. Trata-se mesmo do tom blasfematório que o próprio Piva atribui a sua poética. Veja o toque ultrajante: “Quero cuspir no olho do teu Governador”. Se a política oficial é agredida, a oposição aspirante ao poder também não tem melhor sorte: “São Paulo…. até seus comunistas são mais puritanos que os padres” .

As autoridades religiosas, representantes oficiais do Cristianismo recebem também seu quinhão no ato de “…chutar os padres quando passarmos por eles nas ruas…”. Nem seus fiéis passam desapercebidos, na conclamação: “Ó mocidade sufocada nas Igrejas, vamos ao ar puro das manhãs de / setembro]”

A universidade, instituição do saber oficial, com seu academicismo tão odiado pelo poeta, recebe uma imagem que denota o quanto reprime os desejos em prol de uma lógica racional onipotente: “Ó Faculdade de Direito, antro de cavalgaduras eloqüentes da masturbação / transferida!” Na mesma linha provocativa e cáustica, mas abusando do non-sense Piva escreverá no ano posterior: “Abaixo as Faculdades e que triunfem os maconheiros”. [12]

A feição mordaz da poética verborrágica lembra em muito a maneira como Ginsberg critica a América em seu poema homônimo: “América…. quando você tirará sua roupa?”. [13] Na Ode, Piva lança mão do verso: “Ó maior parque industrial do Brasil, quando limparei minha bunda em ti?”.

Os “pardos burocratas”, os “mercadores” e demais representantes da ordem não cessam de serem ironizados. Em tom mais furioso o poeta martela a cidade em ruínas: “Ó cidade das sempiternas mesmices, quando te racharás ao meio?”

O tom provocador é absolutamente libertário. Incentiva a sublevação por meio de comportamentos anárquicos, em uma atitude política que torna a Ode a Catedral da Desordem na contracultura brasileira. A poesia na qual primeiro jorrou a fonte transbordante de sublevações da jovial década de 1960.

Uma poética do amor livre, da orgia, da liberdade sexual. Uma poética subversiva, vivenciada na desobediência sistemática das instituições sociais de controle. Uma rebelião poética furiosa, que estilhaça todas as formas de disciplina e domesticação.

Uma poética dionisíaca, pagã, que faz delirar na embriaguez estética da afirmação da vida, da vida em sua diversidade. Poética ditirâmbica, do batuque irracional sentido no ritmo do corpo.

Nietzsche colocava como primeira e última tarefa do filósofo “superar em si seu tempo, tornar-se atemporal”. Eis aqui uma poética extemporânea, um poeta póstumo, que desbravou uma vida experimental encarnada pelas gerações subseqüentes de outros espíritos livres.

Se cabe ao poeta chegar ao desconhecido de seu tempo, eis aqui um poeta vidente, visionário, que abre brechas na realidade e potencializa em cada um outras vidas a serem vividas. 

NOTAS

1. WILLER, Cláudio. Uma introdução à leitura de Roberto Piva. Em: Um estrangeiro na legião, Obras reunidas volume 1. (organizador Alcir Pécora). São Paulo: Globo, 2005. p. 144-183.

2. P. 312. Todas as citações da poesia de Álvaro de Campos são extraídas de: PESSOA, Fernando. Poesia completa de Álvaro de Campos. (edição Teresa Rita Lopes). São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 589 p.

3. Idem, p. 177.

4. Idem, p. 120.

5. Idem, p. 148-9.

6. Cf. p. 49. GINSBERG, Allen. Uivo, Kaddish e outros poemas. (tradução, seleção e notas de Claudio Willer). Porto Alegre: L&PM, 2006. 208 p. (Coleção L&PM Pocket).

7. Cf. p. 77. WHITMAN, Walt. Folhas de Relva. (tradução Rodrigo Garcia Lopes). São Paulo: Iluminuras, 1855/2008.

8. Idem, p. 105.

9. Cf. p. 241 e 246. MARTINS, Floriano. Roberto Piva: o banquete do poeta. Em: O começo da busca: o surrealismo na poesia da América Latina. São Paulo: Escrituras, 2001. (Coleção Ensaios Tranversais). p. 241-258.

10. Cf. Agulha – Revista de Cultura, n. 49, 2006.

11. Cf. Agulha – Revista de Cultura, n. 69, 2009.

12. PIVA, Roberto. Os que viram a carcaça. Em: Um estrangeiro na legião, Obras reunidas volume 1. (organizador Alcir Pécora). São Paulo: Globo, 1962/2005. p. 132-141.

13. Op. cit. p. 58.

Ricardo Mendes Mattos é poeta e psicólogo. Contato: acasosubversivo@gmail.com.

O Projeto Editorial Banda Lusófona foi criado em janeiro de 2010, como complemento ao Projeto Editorial Banda Hispânica. Assim o Jornal de Poesia integra em sua plenitude a poesia de línguas portuguesa e espanhola. Aqui registraremos criação e reflexão, reunindo autores de distintas gerações e tendências, inclusive inéditos em termos de mercado editorial impresso. Aqueles poetas que desejem participar devem remeter à coordenação geral seus dados bibliográficos, seleção de 10 poemas e resposta ao seguinte questionário:

1. Quais são as tuas afinidades estéticas com outros poetas de língua portuguesa?
2. Quais são as contribuições essenciais que existem na poesia que se faz em teu país que deveriam ter repercussão ou reconhecimento internacional?
3. O que impede uma existência de relações mais estreitas entre os diversos países de língua portuguesa?

Todo este material deve ser encaminhado em um único arquivo em formato word, para o seguinte e-mail: agulha.floriano@gmail.com. Agradecemos também o envio de uma fotografia (jpg), assim como de textos críticos, livros de poesia e material jornalístico sobre o mesmo tema. O Projeto Editorial Banda Lusófona é uma fonte de informações que reflete, sobretudo, a ampla generosidade de todos aqueles que dele participam. O acesso a cada país deve ser feito através do selo correspondente.

 

 
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