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2000-2010
 

 

 

 

BANDA LUSÓFONA | PORTUGAL

Luiza Neto Jorge | (1939-1989)

Memória de um tempo e de Luiza Neto Jorge

 

Gastão Cruz

 

No mesmo dia da segunda quinzena de Outubro de 1958 conheci a Luiza e a Fiama, quando, pelo menos oficialmente, começavam as aulas no novo edifício da Faculdade de Letras, que nesse ano lectivo se inaugurava.

Passámos a conviver diariamente, descobrindo os nossos interesses comuns. Soube que a Fiama acabava de publicar um livro, intitulado Em cada Pedra um Voo Imóvel, que me ofereceu.

Havia na Faculdade uma exposição de pintura em que ambas participavam e fiquei, durante algum tempo, poucos dias, suponho, a pensar que a Luiza se dedicava exclusivamente às artes plásticas: além da pintura, desenho, cerâmica. A certa altura, alguém falou dos poemas e contos que ela escrevia e em breve pude começar a conhecê-los. Também a Fiama, além de poemas, escrevia contos e peças de teatro, vindo uma destas, O Cais, a ser representada no Anfiteatro 1 da Faculdade, com encenação do então jovem actor profissional Armando Cortês, que dava apoio artístico ao Círculo de Teatro. Na mesma época (59, 60), a Luiza foi directora do Círculo, promovendo a apresentação de peças de Ionesco ou Thornton Wilder (em Pullman Car Hiawatha, deste último, dirigida por Fernando Amado, representei até um pequeno papel), naqueles tempos grande novidade.

O Manuel Baptista, que eu conhecia de Faro (donde ambos viéramos), tendo já exposto as suas pinturas no Círculo Cultural do Algarve, e que viria a fazer as capas e o arranjo gráfico de Poesia 61 e de vários livros, estava alojado em casa da Maria Teresa Horta, na Avenida de Roma, e aos sábados à noite muita gente passava por lá, pelo menos entre 1959 e 1961, tanto quanto me recordo. Foi numa dessas noites, creio que em 1961, que apareceu também o Herberto e nos conhecemos, já depois da publicação de A Colher na Boca e de Poesia 61.

Na Faculdade eu começara a ter aulas com Vitorino Nemésio, o Padre Manuel Antunes, o filólogo brasileiro Serafim da Silva Neto.

Diz Silva Pinto: “Cesário Verde matriculara-se no Curso em homenagem às Letras, como se as Letras lá estivessem – no Curso”. Também nós púnhamos alguma esperança no aprofundamento do nosso incipiente saber literário, ao entrarmos naquela casa, descendente do Curso Superior de Letras, que D. Pedro V fundara. Não estou certo de que, realmente, “as Letras lá estivessem”, mas, em qualquer dos casos, não poderíamos dela sair completamente defraudados, depois de escutarmos, além dos professores que já citei, outros como David Mourão-Ferreira, Maria de Lourdes Belchior, Lindley Cintra, Jacinto do Prado Coelho ou Joaquim Monteiro Grilo (o poeta Tomaz Kim, que vinha dos Cadernos de Poesia e me iniciou, entre outras, na poesia de T. S. Eliot).

Toda esta aprendizagem se cruzava com o nosso próprio convívio poético e com a actividade que de Faro nos chegava através dos primeiros números dos Cadernos do Meio-Dia e dos pequenos volumes das colecções A Palavra e Sílex.

António Ramos Rosa era a presença dominante, quer pela sua poesia, que começara a surgir em livro (O Grito Claro, primeiro número da colecção A Palavra, em 1958, a que se seguiria, dois anos depois, na Ática, Viagem através duma Nebulosa), quer pela acção crítica militante, na defesa e na divulgação de uma nova poesia e da poesia moderna em geral – o que já fizera nas páginas da Árvore, entre 1951 e 1953, quando nelas igualmente publicara alguns poemas marcantes da nossa modernidade como “Telegrama sem classificação especial” ou “O boi da paciência”, e continuava a fazer como principal crítico dos Cadernos, para além da sua colaboração regular em jornais.

A importância dos Cadernos do Meio-Dia e das referidas colecções para a geração cujo aparecimento ficaria associado à década de 60 foi enorme. Pode mesmo dizer-se que, para a poesia portuguesa, a década de 60 começou em 1958. Tentando ver a evolução da poesia independentemente do frágil conceito de geração, verifica-se que a nova poesia não era somente a dos jovens poetas de 60, mas havia uma plena interacção entre esta e a de alguns poetas mais velhos que em 1958 contribuíram com livros decisivos para esse processo de renovação: Sophia, com Mar Novo, Jorge de Sena, com Fidelidade, Alexandre O’Neill, com No Reino da Dinamarca, Eugénio de Andrade, com Coração do Dia. E, obviamente, Ramos Rosa, com O Grito Claro. Em 1957, tinha havido Pena Capital de Mário Cesariny. E haveria, em 1960, Cantata de Carlos de Oliveira, que só depois da sua integração em Poesias, de 1962, se tornaria uma obra verdadeiramente conhecida.

Sucede que, com excepção de Sophia, todos estes poetas, e muitos outros, colaboravam nos Cadernos do Meio-Dia, de que em 1958 (Abril, Julho e Outubro) apareceram os três primeiros números (e, em Fevereiro de 1959, o número 4). Foi aí que eu e os outros jovens poetas com quem começara a relacionar-me lemos, porventura pela primeira vez, poemas de Cesariny, Carlos de Oliveira, O’Neill, Eugénio, Sena ou Echevarría. E foi lá também que, logo no primeiro número, encontrámos um “fragmento” do Canto Nupcial de Herberto Helder, pouco depois publicado pelas Edições Contraponto, de Luís Pacheco, com o título O Amor em Visita, que Ramos Rosa recensearia no terceiro dos Cadernos. A Fiama, a Maria Teresa Horta e eu colaboraríamos no número 5 (o Casimiro aparecera no primeiro e a Luiza deveria publicar poemas no sexto, que já não saiu).

Entretanto, as colecções prosseguiam. A seguir a O Grito Claro, foi editado o número 2 de A Palavra: Telegramas do Casimiro de Brito. E, depois do meu encontro com a Fiama e a Luiza, intermediei na publicação dos números 3 e 4 da colecção: O Aquário, segundo livro da Fiama, em 1959, e A Noite Vertebrada, primeiro da Luiza, em 1960, o mesmo ano em que, na outra colecção, Sílex, a Teresa se estreava com Espelho Inicial.

A Luiza tinha o que podemos chamar uma personalidade forte, tal como a Fiama, com quem o entendimento era perfeito: coincidiam quase sempre, para não dizer sempre, em convicções, opiniões e gostos, trocavam textos, trabalhavam juntas em pintura e cerâmica (o poema “Os meus ecos de Luiza N. J.” evoca esta actividade, na casa familiar da Fiama, em Carcavelos). A elas juntava-se, mas só no que à literatura dizia respeito, não nas artes plásticas, a Luísa Ducla Soares, que viria, mais tarde, a dedicar-se quase exclusivamente a escrever para crianças. Naqueles anos produzia poemas e contos de uma grande limpidez de linguagem, de uma simplicidade cristalina e extremamente original, que todos admirávamos. As duas Luísas eram, literariamente, de algum modo, o oposto uma da outra e talvez a Fiama fosse uma síntese das duas, ou, talvez melhor, uma terceira via, em que a face apolínea da Luísa e o rosto dionisíaco da Luiza se misturavam, ou digladiavam, ou emergiam separadamente.

A Luiza era já, quando a conheci, uma pessoa politicamente muito empenhada. A opção interventiva, que outros, entre os quais eu próprio, só assumiriam plenamente por volta de 61 (mas é claro que a consciência de oposição frontal ao regime vinha de muito antes), consolidando-a durante as lutas estudantis de 1962, já ela anteriormente a fizera, em estreita ligação com a actividade clandestina do Partido Comunista, do qual, creio, sempre se manteria próxima. Recordo-me de a ver distribuir, e dela receber, aqueles pequenos exemplares do Avante, duas folhas impressas em papel finíssimo.

Isso não a impedia, evidentemente, de procurar uma linguagem poética que nada tinha a ver com os padrões mais convencionais da literatura de combate, principalmente os de uma espécie de segunda e terceira gerações neo-realistas, afundadas nos mais indigentes lugares comuns, que os neo-realistas do Novo Cancioneiro tinham, nos melhores casos, sabido evitar (é um trabalho crítico que está por fazer, como tantos outros, neste país de ideias feitas e pouca atenção aos textos).

Existia, a meu ver, entre a poesia da Luiza e a sua maneira de viver uma perfeita convergência, uma coerência e uma unidade colocadas sob o signo da força, da intensidade. Nada nela era mole, dúbio, autocomplacente. Talvez um pouco tímida, era genuinamente avessa a sentir-se em evidência e exercia de forma discreta um enorme poder de sedução, que derivava, sobretudo, de um sentido de humor sempre inteligente e atento e do modo positivo como encarava a vida. Mesmo as grandes adversidades, enfrentou-as sem autopiedade e sem queixas. E, no final da vida, quando teve de passar longos períodos hospitalizada, manteve a capacidade de conversar animadamente e de rir com quem a visitava, falando, por vezes, dos seus problemas de saúde com, pelo menos aparentes, objectividade e distância.

No fundo, a Luiza quis e conseguiu, desde sempre, agarrar uma vida que sentia que lhe poderia escapar cedo. Isso a fez pôr em cada momento, em cada acto, uma energia invulgar, o que foi também, naturalmente, o caso dos poemas, actos de vida que soube colocar no mesmo plano de todos os outros.

Quando li os seus primeiros textos, impressionou-me essa energia, traduzida num ritmo quase percutido (esse sentido de percussão era-me especialmente próximo) e num acervo de metáforas que conferiam ao seu mundo um sentido trágico ou inquietante. Já disso falei em alguns dos textos que sobre ela escrevi. Versos como estes, de A Noite Vertebrada, não mais abandonaram a minha memória: “um círio me acendi espora aguda/o vento ritmo negro assassinou-o”.

Do ritmo avassalador de muitos dos poemas da Luiza Neto Jorge é possível dar inúmeros exemplos, de “A porta aporta”, “O exame” ou “A quarta dimensão”, de A Quarta Dimensão, a “O corpo insurrecto”, de Terra Imóvel, “A cabeça em ambulância”, de O Seu a Seu Tempo, ou “Recanto 17”, de Dezanove Recantos: “Se não havia (nem eu) ninguém ninguém/nas fotografias: gostas? Chora! Às armas!/as armas e os varões/no meio da alma e no corpo assinalados/no interior no escuro escorregavam, não podem! gritavas,/agoniante parede a tua/pele e o sangue.”    

Incluí estes e outros poemas em alguns dos recitais que organizei e dirigi, desde a década de 60, no Colégio Moderno e na Faculdade, até bem recentemente. E tenho ainda na cabeça as vozes dos estudantes e dos actores que os disseram, por exemplo a da Ana Teodósio, na vertiginosa sucessão ascensional dos versos, no último dos poemas que mencionei, até ao paroxístico final, que, como todo o livro que o integra, me parece constituir o momento mais inovador e avançado, mais revolucionário, da poesia portuguesa dos anos 60, que o mesmo é dizer, da poesia portuguesa até agora, 2006: “Visto que (numa criptogrâmica) há (flor! flor!)/absolutamente tudo, despojo e redenção, batalha contra absolutamente tudo, mandíbulas a funcionalizar/em todos estes sítios onde cedo demais/vamos nascendo/em qualquer sítio para qualquer parte onde a morte/(l’amort! l’amourt!) isto é, a flor… ou seja,/as flores…//fulminadas. E eu? disse eu aos tipos. A troco de que/raiva de que destruição?//Porque se não é o fim pergunto por que dinheiro?/ou por que regra? se forma o plural acrescentando um s/ao(s) corpo(s) morto(s) de todos//salvo/em excepção?” Isto mesmo tentei dizer, na sessão de apresentação do livro, na Galeria 111, em 1969. Era este, efectivamente, o “novo discurso” de que a Luiza falara e penso que só outro livro partilha com Dezanove Recantos esse lugar excepcional de ponto mais extremo atingido, até ao presente, pela nossa poesia, na busca de uma arte poética liberta de todos os eventuais constrangimentos, quer o dos realismos redutores, quer o da concatenação e da plausibilidade lógica, e, no entanto, ou por isso mesmo, criadora de sentidos densos e de laços fortíssimos com o mundo, com a vida, com a natureza: Área Branca (1978), da Fiama (a que somente o ensaio de Luís Miguel Nava “Os poemas em branco de Fiama Hasse Pais Brandão” soube até hoje dar a atenção devida), involuntária mas demolidora resposta aos disparatados apelos de “regresso ao real” surgidos na década de 70.

A poesia da Luiza Neto Jorge é, como foi a sua vida, uma experiência levada até ao limite da exigência e do rigor, um lugar onde é preciso viver tudo, sem concessões à futilidade (“Não me quero com o tempo nem com a moda”) e à normalidade (“Diferente me concebo e só do avesso/o formato mulher se me acomoda”). A poesia, só valerá, evidentemente, a pena fazê-la, se ela for, como nos é dito no extraordinário poema-testamento “Minibiografia”, uma espécie de bomba-relógio: “Um poema deixo, ao retardador:/Meia palavra a bom entendedor.” Nele se fala também da tranquila cedência ao rapto perpetrado pela “nave” que virá do “fundo espaço”. Depois de uma vida e de uma poesia com excessos mas sem excrescências, será possível subir “sem medo” a uma “cena” da morte em tudo coerente com o que foi a cena da vida: “E se a nave vier do fundo espaço/Cedo raptar-me, assassinar-me, cedo:/Logo me leve, subirei sem medo/À cena do mais árduo e do mais escasso.”

Um implacável espírito crítico, que a levava a pôr em causa, para frequentemente rejeitar, muito do que o mundo à sua volta lhe mostrava, conduziu-a à recusa total da hipocrisia e à adopção de atitudes firmes e corajosas, que, coerentemente, como comecei por sublinhar, a sua obra documenta: poemas como “O ciclópico acto” ou “Minibiografia” são disso exemplo.   

Poesia 61 saiu em Maio e foi impressa em Faro, na Tipografia Cácima, a mesma onde tinham sido feitos os Cadernos do Meio-Dia e as duas colecções de poesia.

No ano lectivo de 1961-1962, a Luiza foi dar aulas no Liceu de Faro. O Zeca Afonso, ainda quase desconhecido e clandestino como músico e cantor, era professor na Escola Comercial. A Luiza e o António Barahona viveram, durante esse ano, na minha casa, ou melhor, na casa da minha mãe, onde eu próprio regressava com frequência. E em Faro apareceria a Agripina, amiga da Luiza, para conhecer o António Ramos Rosa, com quem, pouco depois, casaria, levando-o a mudar-se novamente para Lisboa. Entretanto, ao longo desses meses, todos convivíamos alegremente em volta das mesas do Café Aliança.     

Sufocada pela atmosfera opressiva e dificilmente respirável de um Portugal esmagado pelo salazarismo, e tentando porventura, simultaneamente, resolver problemas dramáticos da sua vida pessoal, a Luiza procurou em Paris, onde passaria a maior parte da década de 60, a “cidade aventureira”, “a cidade onde vives por um fio/de/ puro acaso/onde morres ou vives não de asfixia/mas às mãos de uma aventura de um comércio puro/sem a moeda falsa do bem e do mal”: a cidade de que Alexandre O’Neill fala em “Um adeus português”, contrapondo-a a Lisboa e ao seu “modo funcionário de viver”.

Talvez a tenha, pelo menos em parte, encontrado. Mas regressou. E rapidamente o país parece ter de novo sobre ela exercido o mesmo peso, agora definitivamente desinspirador. É certo que, depois da publicação, em 1973, do volume de poemas reunidos (com partes inéditas) Os Sítios Sitiados, ainda veio a alegria imensa de Abril de 1974. Porém, o fim da revolução e a dita normalização democrática repuseram em evidência toda a velha mediocridade endémica da pátria, hoje, como nesse tempo, tão ofensiva na sua arrogante auto-suficiência.

No período que mediou entre a publicação de Os Sítios Sitiados e o ano da sua morte, a Luiza traduziu muito – romance, teatro, poesia – e trabalhou em guiões de filmes de alguns dos principais realizadores portugueses.

Quando, em 1976, fiz a minha primeira encenação, para o recém-fundado Grupo Teatro Hoje (antes de ele se tornar mais conhecido como Teatro da Graça), Os Amantes Pueris, encomendei-lhe a tradução da peça, de Fernand Crommelynck, que foi apresentada no Teatro da Trindade e contou, entre outras colaborações preciosas, com um cenário do José Rodrigues e uma interpretação do Mário Viegas (a extraordinária composição do Barão Cazou) , que teriam ficado históricos, se em Portugal houvesse história consistente de uma arte cuja natureza efémera se torna aqui porventura mais efémera ainda.

A tradução da Luiza, ainda inédita, recriou admiravelmente o simbolismo-decadentismo do texto, que, na sua manifesta inactualidade (mas isso é que podia ser revolucionário) suscitou a ira de alguns críticos, defensores, naquela época, de uma instrumentalização política directa da arte teatral – e, obviamente, também das outras.

No que respeita à poesia, a Luiza manteve-se quase completamente silenciosa nos últimos dezasseis anos de vida. Sabíamos que tinha poemas inéditos, alguns possivelmente inacabados. Numa das últimas vezes que a visitei no hospital, tentei persuadi-la a revê-los e organizá-los em livro. Creio que prometeu fazê-lo; mas disse também, numa espécie de aparte: “Quando eu fizer isso, morro.”

Colaborei com o Manuel João Gomes na complicada tarefa da fixação do texto de A Lume, dificuldade que se encontra bem documentada nas páginas do original reproduzidas, em apêndice, no livro.

Nele reaparece o tom determinado, incisivo, da sua poesia, de uma imaginação ardente (“Escritas daninhas: pouca me sinto já/para expurgá-las! Em lava aluem,/riscam a lume páginas estremes”) modulada pelo forte compromisso com o real, quer se tratasse de falar dum braço partido, como no poema “Fractura”, a que as linhas citadas pertencem, quer de descrever o “acordar na Rua do Mundo” (nome antigo e republicano da Rua da Misericórdia, onde vivia). Mas também o seu, como o de todos os grandes poetas, era um “real absoluto”, não o dos realismos que apenas abrangem o imediato e pequenino horizonte ao alcance das suas curtas vistas.

A visão do mundo da Luiza Neto Jorge tem outra dimensão e outras implicações, patentes, por exemplo, no modo alarmado, dramático, como ela observa a simples projecção da sua sombra sobre a “terra imóvel”; assim o esclareceu, definindo “o poema”, logo na abertura do seu livro de 1964: “Esclarecendo que o poema/é um duelo agudíssimo/quero eu dizer um dedo/agudíssimo claro/apontado ao coração do homem//falo/com uma agulha de sangue/a coser-me todo o corpo/à garganta//e a esta terra imóvel/onde já a minha sombra/é um traço de alarme”. E num dos mais intensos poemas de A Lume apresenta-nos uma vida deitada em “cama/de pregos, vidros/dentes de fera”, vestida com o “fato/que”, devorado pelo fogo, “morte e vida/irmana.” Este poema pode bem ser visto como síntese de toda a sua poesia, imagem de um conceito de vida que é simultaneamente uma poética. E por isso aqui fica:

 

Vivo em lama

à beira do derrame.

Na cratera.

 

Vivo em cama

de pregos, vidros

dentes de fera.

 

Vivo em chama.

Pegou-se o fogo ao fato

que morte e vida

irmana.

[Posfácio do livro Corpo insurrecto & outros poemas, de Luiza Neto Jorge. Organização de Floriano Martins para a Coleção Ponte Velha da Escrituras Editora. São Paulo, 2008.]

 

O Projeto Editorial Banda Lusófona foi criado em janeiro de 2010, como complemento ao Projeto Editorial Banda Hispânica. Assim o Jornal de Poesia integra em sua plenitude a poesia de línguas portuguesa e espanhola. Aqui registraremos criação e reflexão, reunindo autores de distintas gerações e tendências, inclusive inéditos em termos de mercado editorial impresso. Aqueles poetas que desejem participar devem remeter à coordenação geral seus dados bibliográficos, seleção de 10 poemas e resposta ao seguinte questionário:

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     3. O que impede uma existência de relações mais estreitas entre os diversos países de língua portuguesa?

Todo este material deve ser encaminhado em um único arquivo em formato word, para o seguinte e-mail: agulha.floriano@gmail.com. Agradecemos também o envio de uma fotografia (jpg), assim como de textos críticos, livros de poesia e material jornalístico sobre o mesmo tema. O Projeto Editorial Banda Lusófona é uma fonte de informações que reflete, sobretudo, a ampla generosidade de todos aqueles que dele participam. O acesso a cada país deve ser feito através do selo correspondente.

 
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