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BANDA LUSÓFONA | BRASIL

Luís Murat | (1861-1929)

Luís Murat, porfiosa palma

Lêdo Ivo

De Luís Murat, tão bem tratado por Sílvio Romero em sua história da literatura e aí citado, ao lado de Bilac, Guimarães Passos, Augusto de Lima e Medeiros e Albuquerque, entre os “poetas proeminentes em 1888”, nada resta. As antologias omitem-no, não permitindo ao leitor de hoje o conhecimento daquele “talento pessoal e forte”. Seus livros não são encontrados. Assim, o caminho mais fácil para um conhecimento superficial do autor de Ondas é um dos tomos do entusiasmado Romero, que nele enxergou títulos para uma sobrevida literária que não houve, considerando-o divergente dos românticos e dos parnasianos, maneira de acentuar o elemento pessoal do poeta e seu desajeitamento diante dos cânones da confraria.

Mas o seu nome ocorre às vezes, ao leitor, não diante de seus versos difíceis de serem encontrados, mas de outros textos, os do grande poeta parnasiano Raimundo Correia. E é a medo que a gente cita o pecúlio do cantor de Plenilúnio. O esquecido defunto de 1929, que agrediu literariamente Raul Pompeia e Machado de Assis, pode aparecer diante de nós e, assoprando as cinzas de uma polêmica já fria, gesticular como nos outros tempos: “Não são dele! Raimundo Correia é um plagiário.” E, como se estivesse diante de um aluno sedento de informações preciosas, desfiará o sabido rosário, vinculando “As pombas” ao “Les colombes” e ao trecho do Mademoiselle de Maupin, de Gautier, citando o “Si a ciascun l’intimo affano”, de Metastasio, para pulverizar os decassílabos espartilhados do “Mal secreto”, denunciando a discreta e encantadora pilhagem.

Todavia, embora os sólidos argumentos sobre o desfile de paráfrases, imitações e empréstimos, a verdade é que Raimundo Correia ganhou a questão. Apesar das comprovações, o (proeminente em 1888) Luís Murat não se saiu lá muito bem da affaire. Terminou esquecido, arquivado – punição desmedida para sua falta de tato ou sensibilidade diante de uma questão de minúcia, isto é, a complexidade e sutileza que envolvem os plágios desses artefatos verbais chamados poemas.

Que, no caso do “Mal secreto”, do “Vinho de Hebe”, de “As pombas”, e em muitos outros, houve paráfrase, não há dúvida. E os três sonetos que habitam em tantos álbuns e antologias são típicos do processo de criação do nosso parnasiano, habitualmente voltado para o armazém poético de seus modelos favoritos, reinventando textos alheios e movendo-se, com os seus invejáveis timbres, na flutuante fronteira dos versos e das versões.

Em sua introdução às poesias completas de Raimundo Correia, esse devotado pesquisador da vida e da obra do autor de Sinfonias que foi Múcio Leão amplia o território das informações sobre a faina de tradutor e parafrasta do nosso lírico. Nenhuma dúvida de que sua fortuna muito deve a intertextualizações e empréstimos feitos a Gautier, Lenau, Madame Ackermann, Heine, Victor Hugo, Heredia, Coppée, Catulle Mendes e muitos outros, uns citados, outros modestamente escondidos em indicações dúbias ou cautelosamente omitidos, como se as peças tivessem nascido de inspirações e ideias originais e não de impregnações livrescas.

Realmente, o teor de originalidade não é um dos traços fortes de Raimundo Correia; mas a verdade é que tanto as paráfrases ostensivas quanto as ideias inspiradoras foram reinventadas, e intertextualizadas, feitas de novo em palavras pelo nosso parnasiano, através de uma alquimia verbal que, significando uso inédito da linguagem, chega a tornar fatigantes os debates sobre o assunto.

A tradução de um poema não é a mesma coisa que a tradução de um compêndio científico, cujos conceitos podem ser facilmente transportados para outro idioma. Tratase, em verdade, de uma operação que, embora procurando transplantar o sentido fiel do texto, reclama a utilização de um verdadeiro arsenal criador; é o domínio das equivalências sonoras, do ritmo que se muda em encantação, da imagem que se funde simultaneamente em melodia e conceito. Além do mais, o papel da imitação em poesia (“Car j’imite. Plusieurs personnes s’en sont scandalisées. La pretention de ne pas imiter ne va pas sans tartuferie, et camoufle mal le mauvais ouvrier. Tout le monde imite. Tout le monde ne le dit pas” – Aragon, prefácio a Les yeux d’Elsa) torna menos ampla a área das acusações que Luís Murat e seus sequazes levantaram contra Raimundo Correia. O poeta de “Mal secreto” nada fez senão seguir uma tradição remota e válida, pela qual o conhecimento e a utilização do patrimônio poético, no caso o de um elenco prestigioso da poesia europeia do século XIX, se inserem numa perspectiva cultural de inegável eficácia.

Na nota à edição de suas Poesias, Raimundo Correia, aludindo a “As pombas” e “Mal secreto”, os aponta como “dois sonetos que parecem ter pelo menos a ventura de ser os mais conhecidos”. Nenhuma palavra sobre Gautier ou o italiano, e seu silêncio é, no caso, enraizada e inabalável convicção de autoria. Na relação, vem “Vinho de Hebe”, “cumprindo ao autor notar aqui, com relação a esse último soneto apenas, que a ideia contida nele lhe foi mais diretamente sugerida por uns belos versos de Mme. de Ackermann (Premières poésies) dos quais entretanto o mesmo soneto não é tradução, nem paráfrase”.

A explicação de Raimundo Correia nada tem de cerebrina; é sincera e esteticamente correta. Nem tradução, nem paráfrase, apesar dos cotejos, e da circunstância de o nosso lírico ter enchido sua taça no vinho da madame.

O grande erro de Murat, pelo que nos evidenciam os estilhaços da polêmica, foi não ter percebido que a palavra plágio era bem forte, apesar das evidências; tratava-se mais de uma vivência. Transposição de temas, de imagens, de lições, tudo isso é de pouca monta, é satélite obrigado a obedecer a novo ritmo sideral. Gautier, Metastasio, Madame Louise Ackermann, Heredia e quejandos entraram com as ideias. Mas não se faz poesia com ideias, e sim com palavras, já dizia Mallarmé. E as palavras dos sonetos que tanto irritaram o inquisidor Luís Murat eram de Raimundo Correia.

[Do livro O Ajudante de Mentiroso | © Lêdo Ivo, 2009 | Publicado pela Educam, Editora Universitária Candido Mendes | Reproduzido com autorização do Autor.]

 

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