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				O agridoce da verbo-experimentalidade em José-Alberto Marques 
				
				
				
				  
				
				
				
				Fernando Aguiar 
				
				
				  
				
				
				
				Não 
				me recordo em que ano terá sido, mas nunca esqueci aquela 
				sensação de abrir o livro e surgir uma página espelhada, onde o 
				meu rosto aparecia numa mancha vagamente nublada. E o encanto de 
				ler as linhas de um romance que nem parecia sê-lo ou então que o 
				era de um modo diferente, estimulante. 
				
				
				Sei que durante uns dias li pausadamente as frases (versos?) da 
				“Sala Hipóstila” de José-Alberto Marques, que talvez já 
				conhecesse (ou foi depois?) de outro livro que, na altura, foi 
				uma revelação. 
				
				
				Estou a referir-me à “Antologia da Poesia Concreta em Portugal”, 
				organizada juntamente com o E. M. de Melo e Castro, que continha 
				um mundo de descoberta e de criatividade que me trazia a 
				motivação do algo de novo que eu procurava para confirmar e dar 
				continuidade ao primeiro livro de poesia experimental de que 
				tive conhecimento (na altura o termo nem era muito usado, essa 
				poesia era ainda “concreta”) – “Mais Exacta Mente 
				P(r)o(bl)emas”, do António Aragão. Isto em oposição a uma poesia 
				verbal que, apesar da inequívoca qualidade dos vários poetas que 
				então lia, deixava de fora a possibilidade de aliar a minha 
				formação de designer, que adquiria na altura, com a vontade de 
				me expressar poeticamente.  
				
				
				Esses livros, aos quais entretanto juntei os da Ana Hatherly, os 
				do E. M. de Melo e Castro, e os do Alberto Pimenta, sobretudo 
				esses, deram-me as bases históricas e teóricas para finalmente 
				produzir criativamente a arte que me entusiasmava e que ficava 
				algures entre a literatura e as artes plásticas. Era exactamente 
				nessa terra de ninguém que eu queria criar, e esses dois livros 
				do José-Alberto Marques (do qual mais tarde li outros) estiveram 
				entre os fundamentais na minha formação poético-plástica. 
				
				
				Mas se não consigo recordar em que altura li pela primeira vez a 
				“Sala Hipóstila”, lembro-me perfeitamente quando é que conheci o 
				José-Alberto Marques: em Setembro de 1983, quando comecei a 
				organizar juntamente com o Silvestre Pestana a antologia 
				“Poemografias – Perspectivas da Poesia Visual Portuguesa”, 
				publicado pela Ulmeiro no início de 1985. 
				
				
				Desde logo a minha admiração pelo poeta se transformou em 
				amizade que se foi fortalecendo ao longo dos anos, como atesta a 
				presença do José-Alberto em todas as actividades (exposições, 
				antologias, colaboração em revistas, etc.), que fui coordenando 
				sobretudo nas décadas de 80 e 90, onde a sua originalidade e 
				inventividade estiveram sempre presentes, mostrando a maior 
				disponibilidade para colaborar em todos esses projectos. 
				
				
				Ao contrário de muitos dos poetas verbais que têm, normalmente, 
				uma certa incapacidade para dizer os seus poemas em público, 
				praticamente todos os poetas experimentais têm uma reconhecida 
				aptidão para interpretarem aquilo que escrevem, e o José-Alberto 
				Marques é um bom exemplo do que acabo de afirmar. Consegue 
				valorizar os seus poemas através da forma que os diz, e consegue 
				ir mais além, com as performances poéticas que tem realizado ao 
				longo dos anos. A última que vi – excelente – foi em Torre de 
				Moncorvo, durante a I Bienal de Poesia do Vale do Côa. Mas 
				realizou muitas mais, diferentes umas das outras, mas sempre com 
				a poética como fio condutor. 
				
				
				É reconhecida a qualidade do seu trabalho como poeta 
				verbo-experimental e como romancista. A série “Homeóstatos” é, 
				para mim, um dos conjuntos de poemas, lírica, conceptual e 
				estruturalmente mais conseguidos da fase “histórica” da poesia 
				experimental. 
				
				
				Devo também referir a satisfação de se ter descoberto num jornal 
				escolar que esteve exposto na secção documental da exposição “O 
				Experimentalismo Português 1964-1984”, no Museu de Serralves, em 
				1999, um poema concreto publicado pelo José-Alberto Marques em 
				1958, intitulado “Solidão”, e que pela data configura o mais 
				antigo poema concreto publicado em Portugal.  
				
				
				O facto de ter sido publicado em 1958, no ano anterior a Ana 
				Hatherly ter publicado no “Diário de Notícias” o “Primeiro Poema 
				Concreto”, poderá não ser, por si só, o mais significativo. O 
				mais importante foi esse poema ter aparecido e fazer parte, a 
				partir desse momento, da história da Poesia Experimental 
				Portuguesa. 
				
				
				É também da sua autoria uma das mais conhecidas instalações da 
				Poesia Experimental – “Ex-Posição” – apresentada durante a PO.EX.80, 
				na galeria Nacional de Arte Moderna em Lisboa, no 1º Festival 
				Internacional de Poesia Viva, no Museu Municipal Dr. Santos 
				Rocha, na Figueira da Foz, e posteriormente no Museu de 
				Serralves, no Porto. Pela ideia, pela simplicidade, e pelo 
				arrojo daquele travessão de corda que atravessa o espaço e dá à 
				instalação uma dimensão surpreendente.  
				
				
				Acho que o José-Alberto prefere saborear o agridoce das 
				palavras, de as baralhar para descobrir dentro de um saco cheio 
				de letras e sílabas as palavras que precisa para construir os 
				seus poemas e romances. Sei que gosta de as degustar lentamente, 
				sentir-lhes o cheiro, o ruído, a textura e a cor antes de as 
				ordenar e de as alinhar (ou não), para resultarem na prosa ou no 
				poema. Mas para mim, foi na poesia experimental que este autor 
				conseguiu levar mais longe a sua criatividade e capacidade de 
				inovar, de elevar – através dos jogos espaciais com que os 
				poetas da experimentalidade gostam de trabalhar – as palavras ao 
				expoente que faz delas uma obra de arte.  |