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COORDENAÇÃO EDITORIAL   |   SOARES FEITOSA | FLORIANO MARTINS
2000-2010
 

 

 

BANDA LUSÓFONA | BRASIL

Hilda Hilst | (1930-2004)

A obscena madame Hilda Hilst

Floriano Martins

Quando em 1990 Hilda Hilst publicou O caderno rosa de Lori Lamby, apressou-se a imprensa em julgar seu abandono da “literatura séria” em troca do “riso demolidor do erotismo”. A incoerência de tal julgamento bem poderia despertar risos, ao mesmo tempo em que refletia uma idéia vulgar acerca do erotismo na literatura. O erotismo não é a outra ponta da “literatura séria”, tratemos logo de situar.

Com dois livros publicados pela francesa Gallimard - Contes sarcastiques (1994) e a recém-lançada tradução de La obscène Madame D (1997) -, não se ouve mais dizer de Hilda Hilst que apenas “explora o filão da pornografia”. Sua aventura lúbrica tornou-se “literatura séria”. Todos os dias nos deparamos com atitudes idênticas no cenário da cultura brasileira.

Estando toda a atenção em torno de seu nome desviada por esse jogo de incoerências, deixamos passar despercebidos dois aspectos fundamentais: a grandeza de sua poesia e a renovação de ar nos pulmões de nosso conceito de narrativa. Até o momento publicou Hilda Hilst dezoito livros de poesia e onze de prosa poética (definição que me parece a mais adequada). Vale acrescentar uma curiosidade: possui inédita uma obra teatral composta por oito títulos, textos escritos entre 1967 e 1969, embora as peças tenham sido montadas por grupos amadores.

Outro desfoque: a estranheza a que ela faz juz, quase um protocolo, a exemplo de outros nomes - Roberto Piva e Orides Fontela -, em parte provocada por seu retiro à chamada Casa do Sol, sua residência em Campinas desde 1967. No fundo, achaques de uma cultura que mal se mantém de pé. Os bastidores acima de tudo. Outros já viveram a glória plena de sua estranheza, a exemplo de Rubem Fonseca e Dalton Trevisan.

O risco que se corre, limitando-nos aqui ao plano literário, é dar crédito ao que não importa. O prejuízo maior: não importar-se com o que verdadeiramente merece crédito. No caso de Hilda Hilst observa-se menos aquele equívoco do que este. A singularíssima obra poética que vem tecendo desde a estréia com Presságio (1950) caracteriza-se por um confessionalismo desbragado, despudorado, rigoroso com seus excessos. Despe-se por inteira a persona de sua poética, despojando-se de toda máscara. Também como linguagem, desfaz-se de todo ornato.

Quanto à prosa poética, não se alteram propriamente as características acima referidas. Ao contrário, são acrescidas de duas outras particularidades, uma temática e outra estilística. O rigor mortis cultivado na poesia amplia-se em uma visão igualmente singular de uma metafísica do erotismo. E dilata-se também a escritura em busca de uma abrangência maior, apropriando-se de configurações comuns ao teatro, à poesia e à narrativa. Em Hilda Hilst a decantada fusão de gêneros não se restringe ao âmbito da moda. Não se trata de pós-modernidade, e sim de um rigor estilístico, de uma tácita abrangência de meios de expressão.

Tudo isto perdemos, deslumbrados que sempre estivemos com os bastidores, os efeitos de cena e todo tipo de falsas evidências. A revista Amiga ainda é o grande ícone de nossa cultura. O leitor brasileiro é desavergonhadamente tratado como cobaia de indução de marketing editorial. Clara estratégia nazista. Tentamos acaso formar uma raça pura de leitores de Machado de Assis e Vinícius de Morais? De uma forma ou de outra acabamos de volta ao futebol e ao carnaval.

Diante de tudo isto, nos mostra agora Hilda Hilst o que se perdeu de sua leitura nos últimos anos. Chega às livrarias de todo o país o livro Estar sendo. ter sido (1997), prosa poética bem ao exemplo de A obscena senhora D (1982) e Rútilo nada (1993). Aventura confessional mesclada ao despojamento sintático e à dissolução dos gêneros. O livro possui uma estrutura simplificada: em uma pequena aldeia litorânea reencontram-se dois irmãos, limitando-se o diálogo às reminiscências trágicas de um deles, Vittorio, escritor sexagenário traído e largado pela esposa, levando consigo, para o reencontro com o irmão, Matias, o único filho e a firme decisão de ali aguardar o encontro com a morte.

A idéia não faz o livro. Vittorio toma as páginas a recordar suas excentricidades eróticas, seu malabarismo lúbrico. Nada se compara aos poemas escritos por Vittorio, em parte mostrados no livro. Um leitor moralista pode dizer que suas lembranças não soam como instáveis ou contraditórias, que antes deflagram o revés da máscara com que se mostrou o medíocre protagonista. Acima de toda moral - o que há mesmo acima de toda moral? -, entendemos o mundo de Vittorio muito próximo do nosso. Identificação com base na frustração. Toda vida passada a limpo é um exercício de reconhecimento do desejo interdito.

Grande fôlego de Hilda Hilst: antes de aceitar a si mesmo o homem não é nada. Não contrapõe, antes alia as distorções. Não se trata unicamente de matéria verbal. Mesmo seus artifícios barrocos, seus fleumas eróticos, sua estranheza contumaz. Tudo em Hilda Hilst é uma recusa do encontro disfarçada justamente pela ansiedade do encontro. Em toda sua obra o rigor mortis é antes de tudo um desejo. Assim a dupla face de Eros. Enigma construído com base na sugestão. E o disfarce alquímico e metafísico de suas personas, sempre a mesma.

Este novo livro de Hilda Hilst é importante em dois aspectos: de um lado põe em discussão uma estilística, de outro revela uma vez mais a incapacidade do mercado editorial brasileiro perceber suas verdadeiras pérolas. Seu livro sai não por uma consagrada editora e sim por uma casa editorial estreante. Mérito tomado de aplausos. A discussão estilística: trata-se de um livro cifrado, definido pela recolha de short stories e não por sua trama intrínseca. Diz-se dele o que não é: o argumento fragmentado. Quis ser o que não foi: um livro à espera de Deus, toda a memória tomada por prevaricações. Limiar moral, na certa. Desgraçadamente mal resolvido.

Não confundamos, no entanto, a estranheza de Hilda Hilst com seus exercícios literários. Submersa em si mesma, dará em tudo. Na embriaguez mística, no inferninho metafísico, na agonia parnasiana. Toca e refaz. Sabe quando o menos é mais, quando a linguagem se renova ou quando apenas busca um carimbo de “passável”. Hilda será sempre uma grande tarefa para os corredores de nossa crítica literária.

 

 

O Projeto Editorial Banda Lusófona foi criado em janeiro de 2010, como complemento ao Projeto Editorial Banda Hispânica. Assim o Jornal de Poesia integra em sua plenitude a poesia de línguas portuguesa e espanhola. Aqui registraremos criação e reflexão, reunindo autores de distintas gerações e tendências, inclusive inéditos em termos de mercado editorial impresso. Aqueles poetas que desejem participar devem remeter à coordenação geral seus dados bibliográficos, seleção de 10 poemas e resposta ao seguinte questionário:

1. Quais são as tuas afinidades estéticas com outros poetas de língua portuguesa?
2. Quais são as contribuições essenciais que existem na poesia que se faz em teu país que deveriam ter repercussão ou reconhecimento internacional?
3. O que impede uma existência de relações mais estreitas entre os diversos países de língua portuguesa?

Todo este material deve ser encaminhado em um único arquivo em formato word, para o seguinte e-mail: agulha.floriano@gmail.com. Agradecemos também o envio de uma fotografia (jpg), assim como de textos críticos, livros de poesia e material jornalístico sobre o mesmo tema. O Projeto Editorial Banda Lusófona é uma fonte de informações que reflete, sobretudo, a ampla generosidade de todos aqueles que dele participam. O acesso a cada país deve ser feito através do selo correspondente.

 
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