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				Uma boa 
				conversa com Fernando Aguiar 
				
				  
				
				Wilmar 
				Silva 
				
				  
				
				WS
				
				Se poesia 
				não é literatura, a exemplo da fala problema de Ezra Pound, 
				então, Fernando Aguiar, o que é poesia? 
				
				FA 
				A poesia deveria ser arte. Arte Poética. Só assim concebo um 
				Poema. Mas é-o muito raramente. A poesia, para ser efectivamente 
				Poesia, tem que considerar não apenas a emoção e a metáfora, mas 
				também os aspectos sonoros e estruturais do poema, assim como a 
				sua expressão estética. Considerando que o Poema comunica pelo 
				seu conteúdo, mas também pela sua forma, este aspecto, descurado 
				pela maioria dos poetas, deve ser sempre tomado em atenção para 
				que o poema o seja na sua plenitude. Os poetas concretistas 
				sabiam-no. A maioria dos poetas visuais também o sabe. 
				Infelizmente a grande parte dos poetas verbais descuram quase 
				sempre a sonoridade, a estrutura das palavras, as rimas 
				internas, e apegam-se sobretudo à criação de metáforas que 
				traduzam o seu estado de alma. O que até pode ser muito 
				“poético”, mas não é com certeza muito artístico. E não sendo 
				arte não é, para mim, Poesia. O Poema tem que ser elevado a obra 
				de arte. 
				
				  
				
				WS
				
				O poeta 
				brasileiro Paulo Leminski, autor de “Catatau”, chegou a falar 
				que a poesia é um inutensílio, afinal, Aguiar, para que serve a 
				poesia? 
				
				FA 
				Como diria (penso que) o próprio Leminsky, “A poesia, 
				felizmente, não serve para nada”. Para os poetas serve para lhes 
				encher o ego. Para os editores (e salvo algumas excepções) é um 
				fardo que têm que carregar para que não tenham apenas o rótulo 
				de comerciantes de papel. Para as restantes pessoas é algo que 
				não lhes diz respeito e consideram uma perda de tempo ler 
				aquelas palavras que estão impressas numa sequência mais ou 
				menos complicada de entender, muitas vezes sem nexo. Para uma 
				minoria que efectivamente a aprecia, a poesia é algo a que dão 
				valor e que, muitas vezes, lhes é essencial para enfrentarem as 
				contrariedades que a vida lhes coloca. Mas em boa verdade 
				(quase) todos podem viver (felizes) sem ela. 
				
				  
				
				WS
				
				Sendo a 
				poesia uma “palavra-coisa”, puxando ao fogo a língua de Sartre, 
				como você passou a produzir uma poética onde a palavra é um 
				instrumento visual não verbal? 
				
				FA 
				Entendo a Poesia como um conceito, como algo que se situa no 
				campo das ideias. Algo que pertence mais ao nível mental do que 
				ao nível do coração. Daí raramente escrever poemas que traduzam 
				“estados de alma” ou “chorrilhos pautados pelas emoções”. E 
				estando ao nível do concepto, facilmente se pode traduzir essa 
				poética noutros signos que não sejam apenas os verbais, apesar 
				das letras também serem, em última análise, signos visuais e não 
				apenas componentes de palavras. Basta l(v)er o poema “Organismo” 
				(1960) de Décio Pignatari para se entender o que quero dizer. Um 
				conceito poético pode exprimir-se através da forma, da cor, da 
				textura, do objecto, até com elementos da própria natureza 
				(como, por exemplo, o “Soneto Ecológico” que “escrevi” na cidade 
				de Matosinhos, no norte de Portugal, em 2005), sem deixar de ser 
				poesia. Ou até pelo movimento, como é o caso das performances 
				poéticas, nas quais o poema é a ação. No entanto procuro não 
				esquecer o conteúdo do poema, apesar dele ser transmitido por 
				imagens ou por signos não verbais. O poema mais completo, aquele 
				que se diz por inteiro, é um poema que alia a sua mensagem à 
				forma como o diz.  
				
				  
				
				WS
				
				Alberto 
				Pimenta escreve no poema “romantismo” uma metáfora entre a 
				floresta e a virgem, mais que um soneto ecológico rimado pelas 
				espécies de árvores, que deveria ser plantado na Amazônia, qual 
				a célula tronco de sua poiesis? 
				
				FA 
				O eixo da minha poética anda em torno do verbal e do visual, de 
				preferência interligados, com todas as possibilidades que essa 
				junção permite. O verbal potencializado pelo visual ou o visual 
				valorizado pela verbalidade constituem um interminável campo em 
				exploração. E se acrescentarmos todas as técnicas e tecnologias 
				onde aplicar o binómio verbal/visual, os caminhos a trilhar são, 
				na verdade, praticamente infinitos. A isso podemos ainda 
				acrescentar a dimensão sonora do poema, conferindo ao conjunto 
				um maximizar das potencialidades. No fundo é pegar na máxima do 
				grupo Noigandres e passar à pratica a verbo/voco/visualidade. 
				
				  
				
				WS
				
				A Rua do 
				Mundo não existe mais em Lisboa, o que é viver em uma Lusitânia 
				onde a poesia é revelada através de negativos verbais? 
				
				FA 
				Felizmente a minha poesia respira noutros países, como é o caso 
				do Brasil. Mas também em Espanha, em França, em Itália, entre 
				outros. Realmente é um pouco sufocante viver o clima poético em 
				Portugal, onde se produzem excelente poemas verbais, onde 
				existem poetas de grande nível, mas que não aceitam outras 
				experiências, rejeitando tudo aquilo que não dominam e que 
				consideram que possa ultrapassar, ainda que lhe reconheçam 
				qualidade. Em Portugal é esta a minha situação e a de outros 
				poetas que não se regem pela poética “instituída”. Pode não ser 
				este o sentido da pergunta, mas é a realidade que serve de 
				resposta. 
				
				  
				
				WS
				
				Herberto 
				Helder é mesmo esse mito vivo ou António Ramos Rosa foi sufocado 
				pela árvore de marketing em torno de Helder? 
				
				FA 
				Herberto Helder é mesmo um mito vivo, imagem que ele próprio 
				explora de uma maneira magistral. Excelente poeta e muito bom 
				gestor da própia imagem. Ainda assim prefiro-o a António Ramos 
				Rosa, que tem inúmeros seguidores que escrevem exactamente do 
				mesmo modo que ele, o que pode atestar que não é assim tão 
				difícil colocar umas metáforas a seguir às outras e chamar-lhe 
				poesia. 
				
				  
				
				WS
				
				E Ernesto 
				Manuel de Melo e Castro que é talvez mais admirado no Brasil do 
				que em Portugal, qual a importância de sua experiência de 
				linguagem para os poetas em estado de umbigo? 
				
				FA 
				Qualquer dos poetas experimentais portugueses é mais admirado 
				fora do seu país e o E. M. de Melo e Castro é um bom exemplo. 
				Tem um trabalho admirável como pesquisador da palavra e também 
				como teórico. No meu caso, os caminhos que apontou abriram-me 
				algumas portas criativas enquanto jovem poeta. A sua poesia 
				experimental sobretudo a dos anos 70 e 80 foi plena de 
				inventividade, que não tem sido interpretada pelos poetas das 
				gerações seguintes, salvo as raras excepções que confirmam a 
				regra. Aconselho e (re)leitura dessa poética, que tem ainda 
				muito por revelar. 
				
				  
				
				WS
				
				Performer 
				de índole experimental, o corpo é um poema em movimento ou 
				Fernando Aguiar entende que sonorizar o corpo é o mesmo que 
				mostrar a alma em estado de cio? 
				
				FA 
				A arte, seja ela de expressão visual ou poética, tem que ser um 
				campo permanente de procura e de descoberta. Principalmente de 
				procura, porque se chegamos a muitas conclusões, isso pode 
				significar o fim. O que me atrai na performance, a poética neste 
				caso, é esse procurar permanente, é o imponderável que sempre 
				vai aparecendo, é, em última análise, o poder juntar várias 
				formas expressivas para transmitir o poema, ainda que este não 
				se traduza numa leitura verbal e possa proporcionar sempre 
				outras leituras. Considero a performance como o melhor exemplo 
				de “obra aberta”, preconizada por Umberto Eco. Com o risco de se 
				estar a criar uma obra em tempo real perante um público, o que 
				não permite retrocessos. É esse, para mim, um dos encantos da 
				performance. 
				
				  
				
				WS
				
				Arthur 
				Rimbaud falava de uma vidência dos sentidos, Al Berto anunciava 
				entre os seus prazeres, o prazer de foder, escrever é uma 
				atitude física ou sexual? 
				
				FA 
				Escrever, por vezes, é fodido, e nesse sentido pode ser 
				considerado uma aventura sexual. Muitas vezes somos fodidos pelo 
				próprio texto, porque escrever nem sempre é fácil. Acabamos por 
				vezes por sermos traídos por ele, por aquilo que estamos a 
				escrever. Ainda assim, prefiro o poema como atitude física do 
				que como verborreia platónica e tradutora de sentimentos mais ou 
				menos duvidosos do ponto de vista estético, e logo poético. Quem 
				tem amores platónicos ou desventuras amorosas para carpir, que 
				escreva um diário. E de preferência que não o mostre a ninguém. 
				
				  
				
				WS
				
				Mesmo 
				sendo a minha língua a língua brasileira, eu sou radicalmente a 
				favor do acordo ortográfico, e Fernando Aguiar o que pensa sobre 
				a colonização das línguas portuguesas através de uma política 
				ortográfica? 
				
				FA 
				É mais um exemplo de que não é na secretaria que se ganham as 
				batalhas. A língua é borilada no dia-a-dia, é reinventada de 
				cada vez que nos expressamos, e estar-lhe a criar rígidas regras 
				não leva a caminho nenhum. É certo que do ponto de vista 
				político e económico pode ser vantajoso escrevermos todos da 
				mesma maneira, e nesse sentido o acordo ortográfico pode ser 
				positivo, mas aquilo que se fala nas ruas nunca ficará limitado 
				nem nunca respeitará o que está oficialmente estabelecido como 
				regra. Eu diria que aquilo que o acordo ortográfico diz não se 
				escreve. 
				
				  
				
				WS
				
				Em 
				Guiné-Bissau, por exemplo, a língua portuguesa é um vexame se 
				comparada aos crioulos e mesmo ao francês, sua pátria é sua 
				língua, ou o vate Fernando Pessoa é um engano? 
				
				FA 
				Quando o Fernando pessoa diz que “a língua portuguesa é a minha 
				pátria”, acho que estava a partir do princípio que nos países de 
				expressão oficial portuguesa esses povos se expressavam 
				efectivamente em português, o que nunca foi verdade. O linguajar 
				está muito para além do que está ortograficamente estabelecido. 
				Mas é interessante haver uma norma, nem que seja para não a 
				cumprir, quando se fala. 
				
				  
				
				WS
				
				José Luis 
				Peixoto com “Nenhum Olhar” e valter hugo mãe com “O Remorso de 
				Baltazar Serapião” ganharam o prêmio José Saramago, e você, 
				Fernando Aguiar, não pretende escrever um romance e ganhar um 
				Saramago e ou um Nobel? 
				
				FA 
				“Os Poemas Possíveis” de José Saramago foi o primeiro livro que 
				comprei, aos 16 anos, juntamente com o “Mais Exactamente 
				P(r)o(bl)emas” do António Aragão, ambos autores desconhecidos na 
				altura. E se um me levou para a experimentalidade, o outro, que 
				na altura entendi mais facilmente, levou-me a musicar uma dúzia 
				dos poemas que o constituia e mais alguns outros do outro livro 
				do José Saramago que comprei depois, “Provavelmente Alegria”. 
				Esse foi o meu prémio: descobrir 2 autores que foram marcantes 
				para mim. Infelizmente nunca gravei essas canções. Se o tivesse 
				feito, o meu precurso criativo teria sido bem diferente… 
				
				Quanto aos 
				prémios nunca pensei neles, nem me lembro de ter concorrido a 
				algum. Para se ganhar prémios literários é necessário não 
				ultrapassar certas regras. E o objectivo do meu trabalho 
				criativo, seja ele na arte ou na literatura, é quebrar regras. 
				Assim é difícil ganhar prémios. O meu prémio é ter a consciência 
				de que tenho feito o melhor possível, e criar obras que possam 
				ser reconhecidas como inovadoras, ainda que isso possa dizer 
				muito pouco a muita gente e, por conseguinte, afaste a 
				possibilidade de algum prémio. 
				
				  
				
				WS
				
				Pensando 
				nas vanguardas históricas do Brasil – Poesia Concreta e Poesia 
				Marginal -, o que pensa sobre a antologia “Poetas sem 
				Qualidade”, publicada em Portugal? 
				
				FA 
				Tenho pena, mas não conheço essa antologia. 
				
				  
				
				WS
				
				Sendo 
				também professor de designer, o que pensa sobre os jovens poetas 
				de Portugal, ou a liberdade é um método para quem passou da 
				adolescência? 
				
				FA 
				Como é tradição em Portugal e, provavelmente noutros países, as 
				sucessivas gerações têm produzido bons poetas. Verbais. E embora 
				com qualidade, a verdade é que esses jovens ainda escrevem 
				poesia segundo os moldes da idade média. A estrutura e as formas 
				são as mesmas. É certo que os editores de poesia só aceitam 
				editar livros que se exprimam pelos modelos medievais, ainda que 
				com uma roupagem actual, mas são raros os jovens poetas que 
				conseguem ir além disso. A sua criatividade termina com a junção 
				de palavras, ainda que o façam com alguma qualidade. Agora 
				imaginemos o que seria se, para além da qualidade, juntassem 
				também uma dose de criatividade… 
				
				  
				
				WS
				
				Sempre 
				freqüentando o Brasil, é possível afirmar em diálogos de poetas 
				e poéticas entre o Brasil e Portugal? 
				
				FA 
				Acho que existe cumplicidade entre os poetas portugueses e 
				brasileiros. Pelo menos, a imprensa portuguesa e os escritores 
				que se exprimem através dela, falam bastante da poesia que se 
				faz no outro lado do Atlântico. As publicações culturais 
				referem-se regularmente aos escritores e poetas brasileiros 
				(assim também como aos escritores africanos de expressão 
				portuguesa) e vejo que a poética portuguesa também é referida 
				nas publicações brasileiras. Pelo menos é isso que sinto cada 
				vez que estou no Brasil. Neste momento tenho uma maior afinidade 
				com os poetas brasileiros (e não apenas os visuais) do que com 
				os poetas portugueses, apesar da amizade que me liga a alguns. E 
				o facto de estar em permanente contacto com a poesia brasileira, 
				de todos os anos falar pessoalmente com diversos poetas n(d)o 
				Brasil, faz com que me sinta mais próximo deles do que dos 
				poetas portugueses. Agora não sei bem se isso se pode considerar 
				um diálogo entre os poetas brasileiros e portugueses. 
				
				  
				
				WS
				
				Para 
				Fernando Aguiar, o que tem em Portugal que realmente o torna um 
				país de cultura européia, além de sua mancha geográfica, 
				pensando, inclusive, no Brasil que, geograficamente pertence à 
				América Latina, sendo um continente de costas para a América? 
				
				FA 
				Na verdade acho que Portugal tem cada vez mais uma cultura 
				“mesclada”, porque “mestiça” talvez não seja exactamente o 
				termo. Nos anos 60 havia uma forte influência francesa na 
				literatura que por cá se fazia. Depois, com o domínio da música 
				“rock”, a cultura de língua inglesa tornou-se mais forte, mas 
				neste momento penso que nenhuma das duas, e muito menos a 
				francesa, tem uma influência preponderante. Com a espanhola 
				convivemos bem, e como partilhamos de raízes comuns, a diferença 
				não é por aí além. Com o “bombardeio” das novelas brasileiras 
				nos últimos 20 anos e com a chegada, todos os anos, de milhares 
				de emigrantes, e ainda com a globalização e a internet, existe 
				uma crescente diluição das raizes culturais da cada povo e a 
				tendência será para que cada vez mais se adoptem os traços 
				culturais de outros povos. Uns dos outros. 
				
				  
				
				WS
				
				Penso que 
				a língua portuguesa deve muito ao Brasil a inserção mundial, e 
				acredito que o Brasil será a próxima potência do mundo, o que 
				pensa sobre a importância que Portugal teve na História e sua 
				condição no mundo de hoje? 
				
				FA 
				Fico muito contente se isso for verdade, e que o Brasil consiga 
				impôr internacionalmente a língua portuguesa, coisa que as 
				entidades portuguesas não conseguem. Portugal teve realmente uma 
				importância fundamental na história recente (afinal 500 anos não 
				são nada), mas actualmente tem uma política cultural 
				envelhecida, como a sua população. Da vitalidade de descobridor 
				e de “desbravador de novos mundos” passou para o sétimo país 
				mais envelhecido do mundo, onde 20% da população tem mais de 65 
				anos de idade. Talvez esta seja uma das razões da inoperante 
				política cultural. Talvez os portugueses estejam mais 
				preocupados com o que lhes vai acontecer nos anos que lhes 
				sobram, do que com a sobrevivência da sua língua no mundo. Resta 
				realmente o Brasil para lutar por essa língua, já que em África 
				os países de “expressão portuguesa” só conhecem de facto essa 
				“expressão”, falando o criolo, francês, inglês, ou ainda o 
				mandarim, no caso de Macau. 
				
				  
				
				WS
				
				Como é 
				escrever depois de Luís de Camões que parece ser o pai da poesia 
				e da língua portuguesa?  
				
				FA 
				Camões foi (é) um enorme poeta, e terá sido seguramente um poeta 
				vanguardista no seu tempo. Nesse sentido, arrisco-me a dizer que 
				se fosse vivo, Camões talvez fosse um poeta visual. A única 
				maneira de escrever depois de Camões (até para honrar a sua 
				escrita) será ser permanentemente criativo e produzir uma 
				poética onde a inventividade esteja sempre presente. Os sonetos 
				experimentais, visuais, objectuais, performáticos ou ambientais 
				que escrevo, têm estruturalmente como modelo os sonetos de 
				Camões. Até o poema “Errata” em forma de soneto com rabo, isto 
				é, com 15 versos em vez dos tradicionais 14, que Camões terá 
				escrito alguns. 
				
				  
				
				WS
				
				“Ou o 
				poema contínuo” é uma proesia, ou é possível pensar em poesia de 
				quase sem palavras? 
				
				FA 
				É possível pensar em poesia completamente sem palavras, porque 
				ela existe. Os poetas visuais têm-na feito e, muitas vezes, com 
				mestria. Retomando a ideia que a poesia é um conceito e não 
				apenas um “estado de alma”, é perfeitamente plausível que se 
				possa fazer poesia sem palavras.  
				
				Uma vez 
				perguntaram-me se o “Soneto Ecológico” (o tal escrito com 70 
				árvores) era literatura, ao que eu respondi que esse soneto, 
				(apesar de não ter palavras ou, sequer, uma única letra, porque 
				é constituído apenas por árvores), tinha a estrutura de um 
				soneto, tinha a rima dada pelo género de árvore e era, sem 
				dúvida alguma, um soneto. E como toda a gente sabe, o soneto é 
				uma das formas mais tradicionais da poesia ocidental. Agora se a 
				poesia é literatura ou não, isso era outra questão… 
				
				  
				
				WS
				
				Fernando 
				Aguiar concorda com Pessoa ao falar que a poesia é “um 
				fingimento deveras”?  
				
				FA 
				É muitas vezes um fingimento. Outras vezes é um retrato cruel da 
				realidade. Muitas vezes procura ser uma obra (de arte) que nos 
				estimula os sentidos e nos pode dar prazer ou pôr a refletir. 
				Mas é necessário contextualizar sempre essas ideias. Apesar de 
				Pessoa ter morrido recentemente, em termos históricos, a verdade 
				é que a poética do século XXI é bastante diferente da que se 
				fazia no tempo do Pessoa, quer em termos de preocupações 
				sociais, como em termos formais, se considerarmos o 
				experimentalismo e o uso da informática, do video ou até do 
				laser para se criar e veicular o poema. Num certo aspecto a 
				poesia continua a ser um fingimento, noutro procura alertar para 
				a realidade e para os desafios que se aproximam e que não 
				auguram nada de bom. Temos o problema do terrorismo, da camada 
				do ozono, da falta de água, da escassez de alimentos devido a 
				uma péssima distribuição dos mesmos, com o consequente alastrar 
				das doenças. Os poetas não podem ficar de costas voltadas para 
				estas realidades e devem também refletir estas preocupações nas 
				obras que produzem. No entanto, o próprio Pessoa também não 
				estava assim tão longe da realidade, ao acrescentar que o poeta 
				“Chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente”…  |