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J O R N A L   D E   P O E S I A   |   F O R T A L E Z A l C E A R Á l B R A S I L
COORDENAÇÃO EDITORIAL   |   SOARES FEITOSA | FLORIANO MARTINS
2000-2010
 

 

 

BANDA LUSÓFONA | BRASIL

Claudio Willer | (1940)

Claudio Willer e a circularidade da memória

Floriano Martins

Exegetas de Jorge Luis Borges levarão a vida inteira a revelar novas fontes de sua transfiguração poética, emblema de toda a obra - repleta de significados - do argentino. Indago-me, no entanto, se esta será a fórmula que nos conduz além de Borges, ou seja, além do jardim de (seus) caminhos que se bifurcam. Já nos disse Calvino que “para Borges a palavra escrita que conta é aquela que tem um forte impacto sobre a imaginação”. Borges lidou consabidamente com arquétipos, de maneira que a grande aventura (desafio) ao lê-lo consiste justamente em livrar-se deles. Por sua vez, em um de seus deliciosos poemas nos disse o italiano Eugenio Montale que a memória raramente lembra-se de si mesma. Anoto aqui que o imaginário popular sempre me soa como um epos da memória a recolher seus fragmentos e desenrolar, a partir dessa sutilíssima operação, uma outra ficção, uma outra forma (igualmente esquiva) de se deixar perceber. Viver seria então um ato de espionagem, onde sondamos a simultaneidade dos gestos em busca de um argumento em defesa de nossa própria dimensão cíclica. Contudo, nos dói que só o presente seja interpretado como fato, que só o instante aja de maneira irrevogável.

Estas são anotações que me surgem na medida em que vou lendo o novo livro de Claudio Willer, Volta (1996). Trata-se de uma narrativa memorialista que não se confunde com a idéia de transfiguração que Borges ou Montale imprimiram ao exercício da memória. Cláudio Willer (1940) mergulha em seu passado como um cúmplice fiel de sua memória, embora em um momento quase final do livro procure afastar qualquer propósito meramente autobiográfico de sua aventura. Antes pretende uma mescla de “ensaio sobre o acaso objetivo e relatos de acontecimentos reais”. Fusão quase feliz não fosse justamente seu ponto inicial, a descrição dos conturbados acontecimentos que pautaram a Feira de Poesia e Arte (São Paulo, 1976), evento arregimentado por Augusto Peixoto, Oswaldo Pepe e o próprio Claudio Willer. Diria que o trecho é mais um bom momento para se observar como a contracultura costuma incorrer numa auto-exortação excessiva de (suas) ações culturais, imprimindo ao detalhamento dos feitos um timbre algo amateur. Certamente tem a ver com a maneira pouco à vontade com que - ainda - nos sentimos diante da história. Os anos 70/80 estiveram repletos de galpões da contracultura, sobretudo em São Paulo. Fragmentos do Surrealismo e da Beat Generation tresnoitavam o afã transgressor que regia aquele momento. Pontos de luz, certamente. Iluminavam nossa dupla miséria: desconhecíamos o que de fato tínhamos, ao mesmo tempo em que nos deixávamos encantar pelas excentricidades alheias. De muitas formas perdemos nossa noção de ser no mundo, a definição de uma expressão comum que nos toque como brasileiros ao mesmo tempo cidadãos do mundo. Saíamos de uma exorcização e entrávamos em outra. Saíamos do curral do verde-amarelismo e nos tornávamos dementes dominados pelas névoas sedutoras de um fog importado. Só não podíamos possuir a nós mesmos. Nunca pudemos. Melhor: jamais ousamos.

Porém o livro de Claudio Willer está longe (muito) de confinar-se aos porões desses equívocos mencionados - e só aqui referidos porque matéria tangencial de sua narrativa. Na verdade os fatos relatados ali não buscam senão uma ambientação de seu argumento em torno das anotações insólitas, dos símbolos transfigurados, dos episódios maravilhosos que pautam a vida de um poeta. Muito além da Feira de Poesia e Arte e de uma ausente referência às leituras geniais que Willer fez, no início dos anos 80, do poema Uivo, de Allen Ginsberg (cuja tradução sua é exemplar), o livro nos permite uma detalhada discussão em torno de inúmeros eventos insólitos que nortearam a escritura de alguns livros de André Breton, poeta aqui situado como exemplo cimeiro de sua reflexão em torno do acaso-objetivo. Willer também se detém na narrativa de aspectos curiosos que determinaram a existência de livros de Robert Desnos e William Butler Yeats. Naturalmente vai tecendo silhuetas incidentais no âmbito de sua própria aventura poética. Páginas à frente nos damos conta de que o que é aparente recordação funde-se em um rol precioso de uma ciência das equivalências.

Assim é que nos invade a leitura deste livro de Claudio Willer com um caudal de desafios: remete-nos a Colin Wilson, Robert Graves, Aleister Crowley etc. Embora não tenha mencionado o surpreendente poeta que foi Crowley - em contraponto ao óbvio ficcionista que mostrou-se ser Wilson -, traça em seu livro um breve retrato desses três ingleses magníficos, ao lado da enriquecedora presença de Yeats. Mais do que simples discorrer sobre insólitos acontecimentos, busca argumentar a favor de uma fascinante relação entre magos, poetas e videntes. Seria uma espécie de tratado da transfiguração poética, inserindo-se o autor entre as criaturas que evidenciam seu argumento, o que não chega exatamente a falsear o fantástico da verídica ambientação. Contudo, acaba situando o leitor diante de um símbolo que age como uma incógnita: quem é Claudio Willer?

Seus livros até aqui (sempre uma mescla de poesia e ensaio) - Anotações para um apocalipse (1964), Dias circulares (1976) e Jardins da provocação (1981) - não foram além dos porões da vanguarda paulista. Se Volta é um livro de estimulante leitura, por outro lado nos deixa curioso pela poesia de seu autor, ou seja, creio que o leitor sentirá a falta de um poeta que se apresente por trás de tantas fascinantes analogias, sobretudo nas páginas em que são sugeridas certas identificações entre o ocorrido com poetas como Eliot, Yeats, Blake, Jarry e algumas experiências vividas pelo próprio Claudio Willer". Talvez isto torne sua voz algo grandiloquente. Pensamos então no quanto seria urgente uma reedição da poesia de Willer (com o apuro necessário de sua correspondente difusão), embora também se estenda a urgência à publicação entre nós da poesia de alguns nomes inseridos em sua narrativa: Desnos, Jarry, Graves, Crowley.

Claudio Willer já nos traduziu Os cantos de Maldoror de Lautréamont (Vertente. São Paulo. 1970), e uma antologia de Antonin Artaud (L&PM. Porto Alegre. 1983). À parte a indiscutível qualidade de suas traduções, lamenta-se que o segundo livro tenha deixado de fora a poesia de Artaud. Bem entendemos, contudo, que o chamado mercado editorial no Brasil sofre constantemente desse tipo de falha estratégica. Não será demais lembrar que os ensaios de Octavio Paz (México) e a ficção de Enrique Molina (Argentina), Alvaro Mutis (Colômbia) e José Lezama Lima (Cuba) chegaram até nós primeiro que a poesia deles todos, mesmo que sejam essencialmente poetas. Independente a tudo isto, há um ponto em Volta que faz um livro frutificar como herança passível de uma meditação: irradia a si mesmo através de sua verdade contagiante. Não importa que tenha sido sonhado por gerações mergulhadas no tempo ou que reconheça uma precisão que seja acerca do porvir. Define-o o múltiplo tempo em que as ações ali narradas seguirão a se dar. Conclui ele próprio - sem dúvida lembrando uma máxima comum aos místicos espanhóis - que o livro não é senão o lugar de encontro de alguém com sua própria experiência. Lugar da influência/confluência do self e também da outridad, vozes de reconhecimento. A circularidade dos dias já anunciada em sua própria poesia.

 

 

O Projeto Editorial Banda Lusófona foi criado em janeiro de 2010, como complemento ao Projeto Editorial Banda Hispânica. Assim o Jornal de Poesia integra em sua plenitude a poesia de línguas portuguesa e espanhola. Aqui registraremos criação e reflexão, reunindo autores de distintas gerações e tendências, inclusive inéditos em termos de mercado editorial impresso. Aqueles poetas que desejem participar devem remeter à coordenação geral seus dados bibliográficos, seleção de 10 poemas e resposta ao seguinte questionário:

1. Quais são as tuas afinidades estéticas com outros poetas de língua portuguesa?
2. Quais são as contribuições essenciais que existem na poesia que se faz em teu país que deveriam ter repercussão ou reconhecimento internacional?
3. O que impede uma existência de relações mais estreitas entre os diversos países de língua portuguesa?

Todo este material deve ser encaminhado em um único arquivo em formato word, para o seguinte e-mail: agulha.floriano@gmail.com. Agradecemos também o envio de uma fotografia (jpg), assim como de textos críticos, livros de poesia e material jornalístico sobre o mesmo tema. O Projeto Editorial Banda Lusófona é uma fonte de informações que reflete, sobretudo, a ampla generosidade de todos aqueles que dele participam. O acesso a cada país deve ser feito através do selo correspondente.

 
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