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            Francisco Miguel de Moura* 
   
            Ascendino 
            Leite - Estilo e sentimento
 
 Há anos venho 
            recebendo os volumes do jornal literário de Ascendino Leite, uma 
            personalidade invulgar da literatura brasileira e uma criatura 
            humana digna do maior respeito, por seu caráter, sua independência e 
            sua clara e feliz inteligência. Vem fazendo, dessa forma, a crítica 
            informal e despida de intelectualismo das obras e dos nossos 
            autores, com paciência beneditina, mas também com rigor e severidade 
            quando necessário. Tem opinião própria. Basta citar aqui um 
            trechinho, por exemplo, sobre o nosso Guimarães Rosa, cujos elogios 
            da critica são unânimes: "Guimarães Rosa: muito o estimei. Era de 
            verdade uma pessoa. Mas esse homem, assaz fino, quase sempre 
            sensível e espiritual, esse homem arruinou literalmente a prosa 
            brasileira.”  Dono de 
            invejável cultura humanística, durante longos anos morou no Rio e 
            militou na imprensa, fazendo amigos entre os escritores, artistas e 
            jornalistas, mas também ganhando desafetos graças às suas posições 
            firmes e convicções religiosas (católico romano). Seu compromisso é 
            com a verdade, não tendo a menor preocupação com o que dele venham a 
            dizer ou pensar. Romancista, 
            autor de "A Viúva Branca", "O Salto Mortal", "A Prisão" e "O 
            Brasileiro", é ensaísta renomado em "Estética do Modernismo" e 
            "Notas Provincianas", poeta em "Sonho de Uma Semana de Verão" e 
            "Poesia Para Dois" e tradutor de Stendhal e Maupassant. Foi, 
            entretanto, o seu "Jornal Literário" que o tornou conhecido e 
            respeitado no Brasil inteiro.  Dele diz José 
            Afrânio Moreira Duarte, no livro "Impressões Críticas", Editora do 
            Escritor, São Paulo, 1991: "Escritor lúcido, cônscio, 
            inteligente, culto, talentoso e elegante, Ascendino Leite sabe 
            escrever de forma que cativa os leitores, constituindo seus 
            preciosos jornais literários uma faceta rica da literatura 
            brasileira, não apenas pela raridade do gênero mas principalmente 
            pelo alto nível dos textos." Registra Antônio 
            Carlos Vilaça que o seu conhecimento da literatura francesa é vasto. 
            Leu todos os grandes autores, de Pascal a Bernanos. E conhece muito 
            bem as outras literaturas. Ainda há pouco, apaixonou-se por um 
            Canetti, por exemplo. E o leu e releu. E por outro lado, acrescenta: 
            “Trata-se de um escritor literário, como tanto gostava de dizer 
            Gilberto Freyre. Leitor e autor nele formam uma unidade profunda.” Quero dizer que 
            também sou um admirador incondicional do seu trabalho, do seu 
            estilo, tanto no “Jornal” quanto na ficção. Destaco entre os volumes 
            do jornal aquele que tem o nome de “Sol a Sol Nordestino”, 1987, que 
            me parece ser uma seleção de textos tirados de outros diários entre 
            os tópicos que se referem ao sentimento da terra e da gente 
            nordestina, sem contudo ficar preso exclusivamente ao tema. Nele encontramos 
            pensamentos de uma altitude só admissível em filósofos e poetas 
            divinos, ou importantes como os clássicos gregos. Tais são, por 
            exemplo: 1. ”O pais da vida é aquele em que se nasce. Ele nos 
            trouxe para a vida e, em geral, recusa a nossa morte.” 2. “O 
            verdadeiro intelectual desconhece o ressentimento.” 3. “O mais grave 
            compromisso do homem é o que ele assume consigo mesmo, com certos 
            princípios e ambições.” 4. “A morte é uma questão profana que passa 
            primeiro pelo crivo do mistério religioso.” 5. “A historia sem a 
            morte não passa de simples abstração.” No volume 
            “Visões e Reflexos do 3º Céu”, João Pessoa, 1993, muito mais 
            enveredando por esse rumo das máximas e dos conceitos, pinçamos 
            algumas jóias do pensamento de Ascendino Leite: 1. “A ironia em 
            minha mente não passa de uma fuga ao desamor.” 2. “Não é a morte que 
            me assusta. Ela é tão simples! Não morrer é que é o problema.” 3. “A 
            verdade mais genuína é a que conduz à mais recôndita intimidade.” 4. 
            “A saudade, já disse, é a paciência dos amorosos”. 5. “A poesia é a 
            retórica do sentimento, e a música, a lógica da alma.” 6. “Todo o 
            tempo é curto para uma afeição perfeita.” 7. “O gênio é aquele que 
            pode ser mil sem deixar de ser um na sua espécie.” 8. “O velho, em 
            geral, não pensa na vida: já a esgotou.” 9.”Toda dor que não tem 
            forma dura até morrer.” 10. “A poesia é uma espécie de religião que 
            geralmente degenera em cultos populares. Todos querem praticá-la, 
            muitos os seus devotos.” 11. “O bom amigo é aquele que nos veste com 
            as suas próprias qualidades.” 12. “O saber é geralmente duma 
            tristeza infinita. Só as ilusões consolam e até educam. O verdadeiro 
            pressuposto do saber é a contradição e não a simples ignorância.” Mas não só de 
            frases o “Jornal Literário” se sustenta. É também repositório de 
            crítica, de observações de leitura, registros muitas vezes íntimos, 
            croniquetas, poemas em prosa. Há em Ascendino Leite verdadeira 
            poesia florando e florindo as páginas que escreve. Tudo é trabalho 
            com sentimento, estilo e serenidade. São orações dirigidas a Deus e 
            ao homem, irmão que vive neste desditoso “vale de lágrimas” mas tão 
            gostoso pela virtude do amor e até de alguns contratempos como 
            tempero – talvez Ascendino Leite tenha dito isto em algum lugar.  Dá gosto lê-lo, 
            eu repito. Que mais se pode querer de um escritor moderno? 
 
 *Francisco Miguel de 
            Moura é escritor, membro do Conselho Estadual de Cultura, da 
            Academia Piauiense de Letras e da UBE-PI
 
       
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