Maria José Giglio
Rua Lions Club, 190
Jardim Flórida
18130-000 - São Roque - SP

A Poesia de Soares Feitosa

1.)  
Seu livro veio confirmar a indelével impressão que conservo da Bahia. Uma palavra só a expressa: demasiado. Para minha pele clara, meu regime vegetariano, minha saúde de porcelana, meu olfato ultra-sensível que um dioríssimo agride; o sol, calor, a exuberância das frutas, dos odores, das iguarias baianas, é demasiado. Agora seu livro com sua capa ensolarada onde floresce um mandacaru grego, suas duzentas e cinqüenta três páginas com fotos, cartas, epígrafes, prólogo, apêndices, bíblia, jornal, manifesto, odes e réquiem, formula-um e prozac, pecados capitais e internet — é demasiado. 

Preciso que você me dê um tempo. Para mim a Bahia precisa ser em conta-gotas. Por enquanto estou sob o impacto da imburana-de-cheiro. Eta idéia singular essa de grudar um envelope com pó-perfume num livro de poesia! Rapé, diz você? Pois, meu caro, é a over-dose exata para o meu suicídio. E previno-o, antes que você consiga me enviar as abelhas que dessa vez lhe fugiram — sou alérgica a picada de insetos. Precisei caminhar quarenta anos pelas trilhas sinuosas da poesia, para topar com você, Soares Feitosa, navegando na Internet com uma arca-de-Noé. Assim é impossível não lhe querer bem.

2.) 
Li, com a atenção que merece, seu grande livro. Tudo. Introduções, cartas anotações, comentários, e seus poemas. Uma primeira impressão ressalta: a sua dicção discursiva não cansa. E isso pelo feliz achado de intercalar como pequenas ilhas, ou como aqueles corredores de pedras que facilitam a travessia, esses versos explicativos, que aludindo o assunto tergiversam, cortam a corrente, permitem uma pausa, um respiro alentador. Concordo, você é um épico. E seu tema vem das origens e irá até quando houver humanidade: a insuportável percepção da inconseqüência cósmica. Você me remeteu ao existencialismo, ao absurdo, ao mito de Sísifo, a Albert Camus. 

Enfim, amei o seu poema  Dormências. Tangida por imprevistas circunstâncias cheguei aqui, digo, em um sítio, antes, “praciana, da cidade grande”, e durante quatro anos aprendi na escola da terra, a teimosia das dormências vegetais e humanas. E como se tudo isso, e muito mais que deixo para as próximas cartas, não bastasse, seu livro é uma  maravilhosa resposta aos apocalípticos do verso, esses que apregoam, embotados por todos os prós-e-prés da modernidade, a morte da poesia. Viva!, afinal, esse daimon que o possui! Está claro o recado: os deuses ainda não abdicaram do sagrado direito de rir por último. E voilà.
 


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