Moacir C. Lopes

                          O POETA ALVARO PACHECO
 
  É estranho como a gente conhece uma pessoa, a pequena distância, - porque ocupando o mesmo espaço, tão amplo mas restrito a um universo particular, - e não se lhe conhece a vastidão e a amplitude do seu vôo, como se olha uma árvore e nela se vê apenas  uma paisagem e  não se lhe esmiuça a  vida, a seiva, as particularidades da nervura de suas raízes e galhos, a identidade própria de cada folha que ela gera. Era o que vinha acontecendo entre mim e Alvaro Pacheco, ele poeta, eu romancista, enquanto seja um leitor permanente de poesia e nela busque, com frequência, fonte de inspiração, porque acredito ainda que só a poesia elimina ou pelo menos atenua a bestialização do gênero humano 

   Mas conhecia pouco a sua obra poética. Lera até aqui os livros “Pasto da Solidão”, “A Matéria do Sonho”, “Itinerários”. Minha impressão foi sempre que se tratava de um dos grandes poetas brasileiros. 

   Acho que ocorreu com ele o que me afetou. Sendo, por muitos anos, jornalista, editor, depois cineasta e empresário de Cinema, até com incursões na política, como eu me aventurara a também dirigir uma editora, essas atividades prejudicaram nosso própria obra, como se atividades paralelas desviassem a atenção dos julgadores literários que atuam  na mídia e  costumam saudar pseudopoetas e peseudoromancistas, até autores  “emergentes” que pouco compromisso têm com a verdadeira poesia, com a  autêntica prosa, porque preocupados com o êxito imediato. Como se a gente fosse se preocupar Shakespeare fôra mero auxiliar de armazem de secos e molhados e ator mambembe antes de consagrar-se como o poeta. Shakespeare que conquistou a eternidade, ou perguntarmos porque James Joyce conseguiu vender menos de cem exemplares de sua obra-prima  “Ulysses” e, revoltado, queimar o resto da edição do livro. Ora, é um fracassado, diriam hoje os que primam pelo êxito imediato, e os que julgam o artista pela sua permanência na imprensa  falada, escrita ou televisionada. Mas sabemos que a arte, em qualquer de suas manifestações , tem compromisso com a memória do povo, a memória do homem universal. 

   Parece que, agora, ambos retornamos a nós mesmos. 

   Lendo “Solstício de Inverno”, tão bem apresentado pela Rachel, pelo Cony,  pelo Adriano Espínola, pelo Sarney, só venho reforçar minhas primeiras impressões. Alvaro Pacheco transpira a grandeza dos poetas maiores, universais, permanentes , com aquele sopro de divindade no ato da criação, que nos leva a redimensionar o universo e  a natureza dos homens. Em dois poemas,  ele exerce o poder de realizar, com  a mágica da palavra, construção semelhante  á que provocou em  Pigmaleão o esplendor ao  contemplar a estátua que modelara em argila com tanta perfeição que por ela se apaixona e implora á deusa Vênus que a anime com o sopro da vida, -  e o consegue: sua criação, antes mera argila, recebe a dádiva da vida. Assim, Alvaro Pacheco, utilizando a magia da palavra, exerce-se como artista, dá o sopro da vida á simples palavra. No poema “A Pedra e a Alma” ele afirma: “Um pedaço de pedra\ é uma pedra \ mas um pedaço de espírito”\ não é um espírito  embora\ sejam ambos\ a mesma essência do universo \ que resultou \ nessa frágil criação\ que dirige o mundo”  No poema “Estátuas”, parece interpretar o próprio  Pigmaleão “:“As estátuas\ não são figurações de divindades\ de homens ou de mulheres\ nem de lendas ou animais selvagens, \ são seres de outra espécie, \ criados dentro de visões cósmicas\ que viajam por séculos\ percorrem e são íntimas\ da carne dos deuses e de suas \ imortalidades 

   Na maioria dos poemas de “Solstício de Inverno” Alvaro Pacheco mostra essa visão de intérprete do homem universal.  “A gravidez da luz\ na folha em branco\ a luz embutida\ no preto absoluto\ sementes jazendo nas flores\ antes de nascerem as raizes \ a palavra perdida\ na gravidez do silêncio \ a música redescobrindo \ a metafísica do som \ a gravidez artificial \ nas provetas de cristal \ e os homens perdidos \ nessa gravidez sem destino”(poema “Gravidez”). 

   Mesmo em poemas que se reportam a impressões pessoais como ser humano, o poeta se transforma no poeta universal. Ou quando escreve em inglês, como fizera Fernando Pessoa, será porque se introjeta em outro ser dentro de si mesmo, como passageiro itinerante de outra cultura. Mas é o mesmo Ulisses (o de Homero) procurando compreender e interpretar os semideuses, monstros e mitos na viagem ao porto seguro. 
  

   Desculpem-me os estudiosos de Poesia, que por acaso venham a ler esta página, pela minha aventura em comentar poesia, visto que sou apenas romancista, contista eventual, mas é que, como afirmei acima, a grande ppoesia, como uma sinfonia, uma pintura, instiga a minha mente e me leva a dizer como o citado Fernando Pessoa; “ andei léguas dentro do meu pensamento”. 

   “Solstício de Inverno”, do Alvaro Pacheco , proporcionou-me essa viagem. E me proporcionará a qualquer momento que a ele retornar, como retorno a cada dia a  outros grandes poetas. Além de aos grandes romancistas. Por serem parte das minhas ferramentas de  ofício. 

Moacir C. Lopes é autor dos romances “Maria de Cada Porto”,  “Chão  de Mínimos Amantes, “Saudade em Pedra”, “A Ostra e o Vento”, “Por  Aqui Não Passam Rebanhos”, entre diversos outros, e  de livros de contos, ensaios e livros infantis. 
 
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