Fernando Pessoa



 
 

1 - Vão breves passando (28-3-1931)
2 - Vê-la faz pena de esperança. (7-9-1931)
3 - Vem dos lados da montanha (14-11-1931)
4 - Venho de longe e trago no perfil, (s. d.)
5 - Verdadeiramente (6-4-1934)
6 - Vinha elegante, depressa, (14-8-1932)
7 - Vi passar, num mistério concedido, (16-12-1932)
 

 
 
 
 

 


Vão breves passando (28-3-1931)

Vão breves passando
Os dias que tenho.
Depois de passarem
Já não os apanho.

De aqui a tão pouco
Ainda acabou.
Vou ser um cadáver
Por quem se rezou.

E entre hoje e esse dia
Farei o que fiz:
Ser qual quero eu ser,
Feliz ou infeliz.
 
 
 
 


Vê-la faz pena de esperança. (7-9-1931)

Vê-la faz pena de esperança.
Loura, olha azul com expansão
Tem um sorriso de criança:
Sorri até ao coração.

Não saberia ter desdém.
Criança adulta, [...]
Parece quase mal que alguém
Venha a violá-la por mulher.

Seus olhos, lagos de alma de água,
Têm céus de uma intenção menina.
De eu vê-la, ri-me a minha mágoa
Tornada loura e feminina.

[...]
 

Vem dos lados da montanha (14-11-1931)

Vem dos lados da montanha
Uma canção que me diz
Que, por mais que a alma tenha,
Sempre há-de ser infeliz.

O mundo não é seu lar
E tudo que ele lhe der
São coisas que estão a dar
A quem não quer receber.

Diz isto? Não sei. Nem voz
Ouço, música, à janela
Onde me medito a sós
Como o luzir de uma estrela.
 
 
 

Venho de longe e trago no perfil, (s. d.)

               VI

Venho de longe e trago no perfil,
Em forma nevoenta e afastada,
O perfil de outro ser que desagrada
Ao meu actual recorte humano e vil.

Outrora fui talvez, não Boabdil,
Mas o seu mero último olhar, da estrada
Dado ao deixado vulto de Granada,
Recorte frio sob o unido anil...

Hoje sou a saudade imperial
Do que já na distância de mim vi...
Eu próprio sou aquilo que perdi...

E nesta estrada para Desigual
Florem em esguia glória marginal
Os girassóis do império que morri...

«Passos da Cruz». Poesias. Fernando Pessoa. 
 
 
 
 

 

Verdadeiramente (6-4-1934)

Verdadeiramente
Nada em mim sinto.
Há uma desolação
Em quanto eu sinto.
Se vivo, parece que minto.
Não sei do coração

Outrora, outrora
Fui feliz, embora
Só hoje saiba que o fui.
E este que fui e sou,
Margens, tudo passou
Porque flui.
 
 
 

Vinha elegante, depressa, (14-8-1932)

Vinha elegante, depressa, 
Sem pressa e com um sorriso. 
E eu, que sinto co a cabeça, 
Fiz logo o poema preciso.

No poema não falo dela
Nem como, adulta menina,
Virava a esquina daquela
Rua que é a eterna esquina...

No poema falo do mar,
Descrevo a onda e a mágoa.
Relê-lo faz-me lembrar
Da esquina dura - ou da água.
 
 
 
 

Vi passar, num mistério concedido, (16-12-1932)

Vi passar, num mistério concedido, 
Um cavaleiro negro e luminoso 
Que, sob um grande pálio rumoroso, 
Seguia lento com o seu sentido.

Quatro figuras que lembrando olvido
Erguiam alto as varas, e um lustroso
Torpor de luz dormia tenebroso
Nas dobras desse pano estremecido.

Na fronte do vencido ou vencedor
Uma coroa pálida de espinhos
Lhe dava um ar de ser rei e senhor.

[...]
 
 


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